Uma tendência perigosa tem ganhado força nos últimos anos entre os felinos: os quilos extras. Deixou de ser raro encontrar gatos gordinhos, até você̂ provavelmente deve conhecer um, caso não tenha um em sua casa. Nos Estados Unidos, por exemplo, 59% dos bichanos estavam acima do peso ou foram considerados obesos em 2016, segundo a Associação para Prevenção da Obesidade Animal. O problema das gordurinhas acumuladas não é apenas estético, elas podem ser extremamente perigosas e gerar diferentes problemas de saúde para o animal, abreviando, inclusive, a vida dele.
Diante desse dado alarmante, é importante refletirmos: se os gatos não assaltam a geladeira de madrugada, os responsáveis pelo ganho de peso deles só podem ser os tutores.
Assim, para que o felino atinja um peso saudável, é imprescindível que o tutor identifique e assuma o sobrepeso de seu bichano. É muito mais fácil, afinal, prevenir novos quilos do que lutar para revertê-los. O problema é que muitos tutores sequer reconhecem a gordura do pet. Para identificar se o seu gato está fora de forma, olhe-o por cima e verifique se a cintura se afunila na região das costelas. Caso ele não tenha essa linha, ou seja, se tiver a cintura reta ou, pior, expandida para fora, provavelmente ele está acima do peso ou obeso. Se o gato for muito peludo, apalpe a região pelas laterais: se você̂ não senti-la firme, com suas costelas, e observar que está flácida, possivelmente ele está mais gordinho do que deveria.
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IGNORE OS MIADOS
Entre as principais habilidades felinas, com certeza está a de convencer seus donos a fazerem o que eles querem, seja com miados ou com aquele famoso olhar de pena. É comum que eles pecam comida diversas vezes, como se fossem esfomeados, por mais que já tenham comido a quantidade necessária do dia. Ao certificar-se com um veterinário que se trata apenas de manha, ou seja, de que não é nenhuma deficiência nutricional ou problema de saúde, o recomendável é ignorar os pedidos desses gordinhos peludos.
“Os animais, assim como nós, comem além do que precisam, principalmente quando não têm nada para fazer, que é o caso de muitos gatos domésticos”, explica a médica veterinária doutora em nutrição, Manuela Fischer. “O ideal é manter o animal o mais saciado possível, mas sem fornecer calorias a mais. Isso é possível oferecendo um alimento baixo em calorias, como os específicos para perda de peso, ou um alimento úmido, que contem muita água e, por isso, as calorias são diluídas” orienta.
NÃO DÊ A SUA COMIDA
Essa recomendação deve ser seguida até mesmo para quem não tem um gato gordinho. O ato de compartilhar seus alimentos com o bichano pode ser extremamente prejudicial à saúde dele. Além de engordá-lo, há risco de intoxicá-lo com alimentos que não são contraindicados para os humanos, mas são para os felinos. Cebola e alho, ou pratos que os levam como tem- pero, estão entre os exemplos.
PERDA DE PESO GRADUAL
O apoio de um médico veterinário é imprescindível para implementar a nova dieta do felino. As mudanças devem ser feitas aos poucos, caso contrário, podem ser prejudiciais à saúde dele. “Toda a troca de dieta deve ser feita gradualmente, para evitar diarreia. A troca brusca pode ainda provocar recusa do animal à nova ração. Restrições calóricas extremas podem levar os gatos a desenvolver lipidose hepática”, atenta Manuela. Acompanhar a perda de peso do felino apenas visualmente, ou apalpando-o, pode não ser tão simples, por isso, a veterinária não recomen- da o acompanhamento de peso do animal pelo tutor.
Manuela exemplifica: um gato, que esteja pesando 7 kg e tem 5 kg como peso ideal, levará de 10 meses a 1 ano e meio para perder os 2 kg extras. “Um gato obeso de 7 kg deve perder de 140 a 280g por mês, mas essa perda de peso deve ser reavaliada a cada 3 ou 4 semanas, pois poderá ser necessário que o veterinário faça algum ajuste”, diz.
A veterinária explica que os gatos têm maior dificuldade de perda de peso que os cães, pois são mais sedentários quando vivem em casa ou apartamento. “Além disso, não se coloca uma coleira nele para levá-lo para passear, nem mesmo se leva o gato a uma creche para brincar e gastar energia”, pondera.
XÔ, SEDENTARISMO!
Para reduzir o peso do pet, não basta apenas adequar uma nova dieta, é preciso promover atividades que auxiliem na queima dessas calorias extras. Ações simples, como colocar a tigela de alimento em lugar mais alto motivando deslocamento do animal, podem ajudar.
Além de enriquecer o ambiente do pet, tornando-o mais estimulante para os instintos felinos, seja com brinquedos ou prateleiras, também recomenda-se brincar com ele. É uma maneira de estreitar os laços e torná-lo mais ativo Ao brincar com seu gato, contudo, consulte um veterinário para verificar se o peso dele não é um obstáculo para determinadas brincadeiras. Os quilos extras, afinal, podem sobrecarregar suas articulações, e os impactos de saltos podem agravar problemas dessas regiões.
Manuela lembra que para divertir os felinos é preciso ser criativo, sempre pensar em novas brincadeiras e fornecer novos brinquedos que o estimulem. Para isso, contudo, não são necessários grandes investimentos, já que uma simples bolinha de papel pode fazer a vez de caça para eles.
PERIGOS DOS QUILOS EXTRAS
Entre os problemas associados à obesidade se destacam a diabetes mellitus, algumas neoplasias, risco de desenvolver lipidose hepática, dermatopatias, dificuldade respiratória, dificuldade de diagnóstico de doenças e maior risco anestésico. Os quilos extras ainda podem gerar dores articulares, a ponto de o animal desenvolver atrite. São problemas crônicos que podem afetar intensamente a qualidade de vida do seu pet. “Gatos com obesidade extrema têm dificuldades para fazer sua higiene, ficando com o pelo sujo, com mau odor e mais predisposto a problemas de pele”, acrescenta a veterinária Manuela Fischer. Animais obesos vivem menos que os que possuem um peso saudável. De acordo com Manuela, um pet obeso, ao menos, sofrerá de um dos problemas, ou seja, é certeza que ele terá sua qualidade de vida afetada de alguma forma devido ao peso extra. “Obesidade é uma doença grave, com inúmeras consequências que levam à diminuição da expectativa de vida.” O excesso de peso contribui ainda para que o felino não se exercite, corroborando ainda mais para o surgimento de tais complicações de saúde. Além de claro, evitar que o animal emagreça.
CARBOIDRATOS X PROTEÍNAS
Gatos são conhecidos por serem carnívoros natos. Ao longo da vida, acostumaram a retirar seu sustento da caça de ratos e aves, por exemplo. Dessa forma, os felinos necessitam de mais proteínas do que os cães e os humanos. Apesar disso, vale ressaltar que alimentos industrializados, quando de boa qualidade, já são bem equilibrados nutricionalmente, o que significa que o animal não precisa de suplementação. Ao adquirir a ração do bichano, portanto, atente-se à quantidade e à qualidade da proteína presente. Geralmente, as consideradas super premium contém fontes proteicas melhores e teores maiores.
A proteína promove saciedade e auxilia a perda de peso, salienta Manuela. Peça ajuda ao seu veterinário de confiança para avaliar qual a melhor opção para seu pet. “Não é tão simples olhar o rótulo da ração e compreender sua formulação. Mas o tutor do pet pode buscar o rótulo que aponta ser light ou para animais castrados”, recomenda Manuela, ressaltando que mesmo um animal que ainda não é obeso pode consumir esse tipo de ração. De acordo com a veterinária, a quantidade mínima de proteína recomendável é de 30%, sendo a ideal de 35 a 40%, principalmente no caso de um felino gordinho.
Manuela salienta ainda que o alimento úmido pode ajudar na perda de peso do animal. Por conter muita água, ele pode fazer com que o gato consuma uma quantidade bem maior de alimento, ficando mais saciado, conforme explica Manuela. “Um gato com 7 kg que tem o objetivo de perder 20% do seu peso precisaria comer 75g de ração seca específica para perda de peso, já com um alimento úmido, ele poderia consumir em torno de 340g, ou seja, 4,5 vezes mais.”
COMIDA SEMPRE À DISPOSIÇÃO
Apesar de ser muito comum, essa prática pode ser desaconselhável quando se tem um gato gordo em casa. Deixar a tigela de comi- da sempre cheia é, definitivamente, uma tentação para um pet guloso que precisa emagrecer. “A pessoa tem que entender que forncecer somente uma dieta para perda de peso não fará o animal emagrecer, mas sim a soma dela a uma ade- quada restrição”, atenta Manuela.
Dessa maneira, a veterinária orienta oferecer o alimento de forma espaçada ao longo do dia. No início, o gato pode achar estranho, mas é possível condicioná-lo a comer nesses intervalos de tempo. Indica-se, pelo menos, de duas a três refeições por dia, a depender da disponibilidade do tutor. Se o tutor passa o dia fora trabalhando, a sugestão é que ele separe a quantidade diária estipulada pelo veterinário e divida-a em duas porções, não se deve ultrapassar essa quantidade. Dessa forma, o tutor pode oferecer o alimento antes de ir trabalhar e logo após que chegar do trabalho. Caso você̂ consiga dividir em quatro refeições ao longo do dia, o método é o mesmo. “Esse manejo é possível quando se tem um único gato. Com mais animais, deve-se avaliar quais dietas os outros consomem e determinar, juntamente com o tutor, qual o manejo alimentar ideal para cada caso”, pondera Manuela.
FAMÍLIA FELINA
Já quem tem mais de um gato, no caso um gordo e outro magro, é necessário traçar estratégias. “É possível colocar a tigela de comida de um gato em um ambiente e a do outro em um segundo ambiente. Separe assim os animais em casa, restringindo os ambientes para eles. Quarto e cozinha da sala, por exemplo”, ensina Manuela. O fracionamento da quantidade diária de alimento é feito da mesma maneira. Caso não seja possível separá-los por ambientes, a veterinária orienta ainda colocar o alimento do felino magro em uma parte alta da casa, como uma prateleira, e a tigela do gordinho no chão. Dessa forma, provavelmente, o obeso não conseguirá acessar o comedouro do magro, ou, ao menos, terá preguiça de saltar em busca dele.
“O problema é quando as pessoas têm vários animais, com distintos problemas. Indica-se, nesse caso, alimentar os gatos como os cães, ou seja, condicioná-los a comerem de uma vez só”, recomenda. Dessa forma, o tutor separa os animais, e oferece de manhã o alimento para cada gato, com um tempo estipulado para cada um comer. Após esse período, retira os comedouros. Ao final da tarde, oferta-se a outra refeição do dia e igualmente se estipula um tempo e retira-se os comedouros. Se o tutor puder dividir em mais refeições, melhor.
“Nos primeiros dias os gatos não vão entender, vão comer um pouquinho e vão achar que o alimento ficará disponível. Contudo, em algumas situações não temos escolha e temos que educá-los com horário fixo para que cada um coma a sua comida”, diz Manuela. Esse período de adaptação, segundo a veterinária, durará cerca de 3 dias. Vale ressaltar que o bichano não correrá risco de sofrer alguma deficiência nutricional, pois comerá todos os dias, ainda que pouco. “A lipidose hepática só se desenvolve quando o animal não se alimen- ta por alguns dias, ou se alimenta bem pouco por muitos dias, o que não acontecerá, pois ele aprenderá rápido que tem que comer quando o alimento é ofertado.”
Manuela explica que muitos tutores questionam essa técnica de alimentação, pois afirmam que fere o comportamento alimentar do gato, que come várias vezes ao longo do dia na natureza. “Mas temos que pensar que o prejuízo é muito maior quando deixamos alimento à vontade e eles desenvolvem obesidade, diabetes mellitus, osteoartrites e diversas consequências do excesso de peso”, alerta.” Mesmo os que não são obesos, muitas vezes têm alguma patologia e precisam de alimento específico. Essa forma de alimentação garante que todos consumirão o alimento correto na quantidade adequada”, completa.
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O QUE APONTA A BALANÇA?
Sobrepeso:
Um gato considerado com sobrepeso, geralmente, está de 10 a 15% acima do peso ideal.
Obeso:
Um gato considerado gordo, por sua vez, está de 20% a 45% acima do peso ideal.
Obesidade extrema:
Já o felino obeso, que pode estar sofrendo bastante com seu peso, está 45% acima do peso ideal.
FIBRAS
De acordo com Manuela, o ideal é fornecer alimentos com poucas calorias, pois a alta quantidade delas e o baixo teor de fibras também podem colaborar para o ganho dos quilos extras. As fibras, explica Manuela, são muito importantes para aumentar a saciedade do pet obeso, que se sentirá satis- feito ingerindo um volume maior de alimento. Elas, inclusive, também auxiliam no controle da glicemia, o que é importante no caso dos bichanos diabéticos, além de influenciar beneficamente no trato gastrointestinal do pet. “A fibra contribui de três formas: diminuindo a digestibilidade dos nutrientes; estimulando a saciedade; e diluindo a ração, pois, na formulação, substitui-se a gordura, que fornece muitas calorias, pela fibra, que não contém caloria alguma”, cita a veterinária. Para a perda de peso, recomenda- se alimentos com teores em torno de 12% de fibra bruta e, no mínimo, 7%, de acordo com Manuela. “Abaixo disso, os alimentos light vão aprensetar teores em torno de 6%. Os alimentos convencionais, por sua vez, giram na faixa de 2 a 3%.”
Verdade seja dita, trata-se de um elemento nutricional novo na dieta felina, já que, na natureza, os gatos têm pouquíssimo acesso às fibras. Geralmente, as consumidas estão presentes no trato gastrointestinal das presas, explica Manuela. “Os animais não estão mais na natureza, a condição deles hoje é completamente diferente. Nós não podemos comparar o que animal comia na natureza com o que ele come atualmente”, pondera a veterinária, ressaltando que os organismos dos felinos se adaptam.
MANUELA FISCHER-Médica veterinária com mestrado e doutorado em Nutrição de monogástricos pela UFRGS.
Atualmente é professora da UniRitter, coordenadora e professora do curso de pós-graduação em nutrição de cães e gatos do Qualittas.