Dermatologia felina em foco

Publicado em 02/05/2024

Fique de olho nos principais problemas de pele que seu gato pode ter

Foto: Nils Jacobi/iStock
Como gatos se lambem com frequência, às vezes é mais difícil para o tutor gateiro observar que há
alguma alteração em sua pele

Doenças e queixas relacionadas à área de dermatologia veterinária correspondem à maioria dos atendimentos e consultas em clínicas veterinárias. Por isso a importância de ficar atento aos diferentes sinais que seu felino pode dar indicando que algo não vai bem com a sua pele. “A especialidade veterinária na área da dermatologia reúne um grupo de profissionais com vasto conhecimento nos principais problemas de pele em cães e gatos, suas causas e tratamentos mais indicados para manter o bem-estar e a qualidade de vida dos animais. São os especialistas mais indicados para cuidar dessas alterações e devem ser procurados ao se observar quaisquer alterações na pele”, aponta o médico-veterinário Kauê Ribeiro, que também alerta para o fato de que, muitas vezes, alterações na pele e pelagem dos pets podem indicar doenças de origem endócrina e hepática. “No caso das enfermidades hormonais, como hipertireoidismo e hiperadrenocorticismo, falhas nos pelos, alopecia e presença de coceira (prurido) são sintomas comuns”, ressalta.
Segundo a médica-veterinária Mariana Caetano Pimentel, sócia fundadora da Bichos & Petiscos, de Nova Friburgo, RJ, a dermatologia veterinária representa uma área de grande relevância na clínica médica de cães e gatos, sendo considerada uma das principais especialidades, o que exige uma atualização contínua por parte dos veterinários. “As doenças dermatológicas possuem grande casuística dentro da clínica médica de pequenos animais. Estima-se que as doenças de pele representam de 30 a 70% de todos os casos atendidos de cães e gatos”, aponta.
Ana Cláudia Balda, especialista em dermatologia veterinária de São Paulo, aponta que, nos gatos, como eles se lambem com maior frequência do que os cães e esse hábito é tão comum, às vezes é mais difícil para o tutor observar que há alguma alteração. “Mas as doenças dermatológicas podem ser observadas pela presença de áreas com falha nos pelos, vermelhidão e outras lesões”, acrescenta.

SÍNDROME ATÓPICA CUTÂNEA
A incidência de alergopatias em gatos com repercussão cutânea tem aumentado muito nos últimos anos, diz Márcia Sonoda, pós-graduada em dermatologia veterinária pela USP. “A síndrome atópica cutânea felina tem sido uma das principais afecções que tenho atendido. Os sintomas são muito variados: prurido e lambedura que evoluem para alopecias em orelhas, dorso e abdômen ventral, crostas e eritema facial”, aponta. “Em geral, esta síndrome pode provocar coceira tão intensa, que diminui a qualidade de vida do paciente, desencadeando bastante prurido”, enfatiza Ana Cláudia.
Márcia explica que, para traçar o diagnóstico nos pacientes felinos que sofrem de alergopatias, é preciso sempre considerar os exames de triagem, tais como parasitológicos, citológicos, culturas (fúngica e bacteriológica), tanto da pele como também das orelhas (quando essas apresentarem alterações). “O uso da técnica do pente fino para averiguar ectoparasitas deve fazer parte de uma rotina dermatológica felina, bem como o uso da Luz de Wood para as suspeitas de micoses superficiais. Muitas vezes, os felinos que sofrem da síndrome atópica cutânea também apresentam comorbidades, sejam elas decorrentes da própria pele como também de outras doenças sistêmicas”, revela Márcia, que continua: “a indicação de exames laboratoriais, tais como hemograma, bioquímico e sorologia e PCR para FIV e Felv é de suma importância, pois algumas doenças sistêmicas podem estar correlacionadas como quadro dermatológico. Além disso, algumas medicações sistêmicas podem apresentar efeitos colaterais em pacientes com comorbidades”. Márcia também explica que os testes alérgicos para alérgenos têm sido cada vez mais utilizados em pacientes felinos com a síndrome atópica, eles ajudam a estabelecer a quais alérgenos do ar esse paciente apresenta mais sensibilidade e, dessa forma, elaboramos um tratamento conhecido como imunoterapia com alérgenos”, diz.
Segundo Fabiana Patricia Perdomo Vitale, de Campinas, SP, especializada em dermatologia veterinária, a síndrome da pele atópica felina é uma doença de cunho genético e, portanto, não é possível evitar a manifestação desta condição alérgica nos felinos. “Porém, há como castrar animais diagnosticados, impedindo a reprodução e perpetuação do quadro às futuras gerações. Quando se trata de animais errantes, de rua, essa ‘prevenção’ se torna mais difícil de realizar”, explica Fabiana. Ainda segundo ela, o diagnóstico desta condição é baseado nos sinais clínicos apresentados, e depende de um período de exclusão de outras enfermidades, exames específicos e teste com ração hipoalergênica. “A síndrome da pele atópica felina é uma condição alérgica, genética, crônica e incurável da pele dos felinos. E neste caso se faz possível o controle dos sintomas para promover qualidade de vida aos gatos. Dentre os possíveis tratamentos disponíveis na atualidade é possível citar os corticoides, especialmente em crises agudas, e medicamentos que atuam no sistema imune, de forma a bloquear citocinas inflamatórias, mastócitos, linfócitos T e outras substâncias causadoras de prurido, como a ciclosporina, oclacitinib, marupitant, palmitoetanolamida e amitriptilina”, acrescenta Fabiana.

DERMATOSES FÚNGICAS
Além das alergias, também aparecem entre as maiores responsáveis pelos atendimentos dermatológicos em gatos as doenças infectocontagiosas. “Os filhotes e gatos jovens são os mais acometidos por micoses, sarnas e otitesparasitárias. Essas dermatoses podem inclusive infectar outros animais. Dentre as dermatoses fúngicas, as micoses superficiais e a tão discutida esporotricose têm aumentado estatisticamente a cada ano. Isso se deve, muitas vezes, à imunidade do filhote, que é mais imatura, uso de medicações imunossupressoras, bem como aos locais onde os animais foram adquiridos e até mesmo ao estilo de vida do paciente (com ou sem acesso à rua). Essas afecções podem ter apresentações dermatológicas variadas, de localizadas a difusas. No caso das micoses superficiais, lesões geralmente são alopécicas, descamativas, circunscritas, por vezes circulares e eritematosas. Na esporotricose, as lesões podem ser localizadas a difusas, podendo acometer face, membros e várias partes do corpo, e as lesões são geralmente ulcerativas, úmidas”, descreve Márcia. Ainda segundo ela, a esporotricose é sem dúvida uma das dermatoses infectocontagiosas mais graves nos tempos atuais. “Infelizmente, gatos que têm acesso à rua podem adquirir a doença facilmente tendo contato com terra, plantas e árvores que contenham a forma fúngica do Sporothrix ssp. O contágio direto com outros animais é muito comum. A espotricose é considerada uma zoonose e pode ser transmitida para os humanos também. Ela também é grave, pois o tratamento costuma ser prolongado, se estendendo a meses e anos, e deve ter todos os cuidados de higienização e proteção do tutor e animal. Muitos pacientes podem vir a óbito devido à resistência do fungo aos medicamentos bem como ao diagnóstico tardio”, alerta Márcia.
Porém, atualmente, Márcia revela que as micoses, tais como as dermatofitoses e esporotricose, já contam com testes e exames que permitem um diagnóstico mais rápido, para que o tratamento seja iniciado o quanto antes. “Isso tudo proporciona um maior conforto tanto para nós, veterinários, que precisamos fechar um diagnóstico e tratar adequadamente, como ao tutor, que muitas vezes busca um atendimento com um tratamento mais direcionado e, por fim, ao paciente, pois ele está sofrendo com uma doença que pode ser resolvida mais rapidamente”, afirma Márcia.

Foto: Arquivo Pessoal
Márcia Sonoda realiza exame otoscópico em gatos:
exame é importante para localizar as sarnas

ATENÇÃO ÀS SARNAS
Márcia alerta que, em sua rotina clínica, especialmente em gatos filhotes ou gatos jovens com acesso à rua, as sarnas fazem parte de seu cotidiano. “As sarnas que acometem tanto a pele como as orelhas provocam sintomas de prurido crônico e áreas de crostas, descamação em várias partes do corpo, tais como bordas de pavilhões auriculares e antebraço”, diz a veterinária. Felizmente, hoje em dia, as sarnas são muito mais fáceis de serem tratadas, revela Márcia. “Para o tratamento das sarnas, recomenda-se o uso de pipetas de uso tópico com avermectinas ou isoxazolinas, de maneira a tratar e prevenir reinfecções. Estas moléculas são mais seguras do que o amitraz, que usávamos antigamente”, completa Fabiana, que aponta as sarnas otodécica e notoédrica como as mais comuns em gatos. “A sarna otoédrica ou otocaríase é causada pelo ácaro Otodectes cynotis, que parasita as orelhas de felinos e também pode parasitar as orelhas de cães. Este ácaro é contagioso, podendo infectar uma comunidade inteira de felinos em gatis ou no ambiente doméstico e demais contactantes. Ele produz cera abundante nas orelhas, de coloração acastanhada, com aspecto de ‘borra de café’, causa muito prurido em orelhas, meneios cefálicos (balançar a cabeça) e é possível observar os ácaros andando dentro das orelhas através do otoscópio. A sarna notoédrica, ou escabiose felina é causada pelo ácaro Notoedris cati, que é infectocontagioso, causando sintomas de prurido, lesões erodoulcerativas e muitas crostosas em cabeça, pescoço e borda de orelhas. Os felinos em contato íntimo podem ser infectados”, descreve Fabiana. Ainda segundo ela, os gatos sem acesso a rua têm menores chances de adquirir sarna notoédrica, otocaríase, pulgas e carrapatos e doenças transmitidas por eles. “Se não é possível evitar o acesso a rua, se faz necessário a prevenção destas infecções através do uso de pipetas com repelente para pulgas, carrapatos e outros tipos de ácaros causadores de sarnas. Em felinos não costumamos recomendar os banhos como rotina de higiene como nos cães, pois os gatos podem ficar estressados, aumentando o auto-grooming (ato de se lamber para se limpar) e a ingestão de pelos, podendo ocasionar tricobezoares (bolas de pelos) no intestino destes animais. O uso dos produtos preventivos de uso tópico ainda é a melhor alternativa, que deve estar adequado ao tamanho, peso do animal, estilo de vida, condições do tutor em aplicar o produto e, portanto, se faz necessária a avaliação com o médico-veterinário especializado nestes casos”, ressalta a veterinária.

PREVENÇÃO É POSSÍVEL?
A prevenção das dermatopatias nem sempre é fácil. “Acredito que tudo deve ser iniciado em uma adequada e minuciosa consulta clínica de orientação ao tutor. Muitas vezes precisamos saber educar os tutores de forma sempre empática, saber ouvir, questionar e, por fim, ter certeza de que esse tutor compreendeu tudo que é válido para uma boa saúde do seu pet”, aponta Márcia. Ainda segundo ela, outro cuidado importante que devemos ter em relação aos gatos é mantê-los dentro de casa, evitando saídas para rua. “Há gatos que possuem uma rotina de dormir dentro de casa durante o dia e, à noite, passeiam pela vizinhança. Infelizmente, isso gera maiores chances de brigas entre os demais gatos e contágio de diversas doenças. Para isso, o uso de ambientes com melhor enriquecimento ambiental, brincadeiras diárias, fontes de água e alimentação de boa qualidade são condutas básicas e que devem ser pensadas”, destaca. Além disso, o uso constante de preventivos contra ectoparasitas deve fazer parte da rotina de todo tutor de gato, pois, por mais que eles não saiam de casa, eles podem adquirir pulgas indiretamente. Outro ponto é em relação à forma de tratar lesões cutâneas topicamente em gatos. “O uso de lenços umedecidos ou mousses com princípios ativos ou próprios para gatos pode ser uma boa opção, pois são absorvidos rapidamente. Muita cautela ao usar pomadas, cremes, sprays na pele dos gatos. Muitas vezes eles não toleram e se lambem rapidamente para a retirada de tais produtos”, finaliza.

CÂNCER DE PELE
Quando se fala em pele, temos ainda que considerar os cânceres que podem acometer os pets. “Quando falamos na prevalência de câncer, a frequência maior está entre os tumores cutâneos, que podem acontecer na porção superficial da pele ou abaixo dela”, alerta o oncologista veterinário Andrigo Nardi Barbosa. Ainda segundo o médico-veterinário, o único câncer que pode ser realmente prevenido é o carcinoma de células escamosas (também chamado carcinoma espinocelular), pois ele é causado pela exposição frequente e sem proteção do animal ao sol forte (entre 10 e 15 horas), principalmente quando o animal possui a pele clara, com pouca melanina. “Os sintomas começam com uma pele avermelhada, irritada, um processo inflamatório. Se nada for feito, num segundo momento, esse processo inflamatório vai dar origem a uma infecção pré-neoplásica. Ainda assim, se não houver o controle da exposição solar, ela se transforma num carcinoma. Ou seja, este câncer surge a partir de um processo inflamatório induzido pela longa exposição solar”, explica Andrigo, que indica uso de protetor solar formulado para animais em pets que gostam de tomar sol o dia todo nos locais que não têm pelo (focinho, orelhas, barriga etc.), produto que deve ser reaplicado mais de uma vez ao dia (idealmente, a cada 3 ou 4 horas). “Não deixem para procurar o veterinário depois que a lesão cresceu. Assim que perceber algo na pele do animal, procure imediatamente um especialista, pois, quanto mais cedo o tratamento for iniciado, maior a chance de cura”, finaliza.

Nossos agradecimentos:
Ana Claudia Balda Médica-veterinária especialista em dermatologia com título emitido pelo CFMV, diretora da Escola da Saúde do Hospital Veterinário da FMU (Hovet) e sócia proprietária da Derme for pets.
portal.fmu.br/servico/hospital-veterinario

Andrigo Nardi Barbosa Médico-veterinário, atua na área de oncologia e cirurgia reconstrutiva; professor do Departamento de Clínica e Cirurgia da UNESP, Campus de Jaboticabal

Fabiana Patrícia Perdomo Vitale Médica-veterinária especializada em dermatologia veterinária pela FMVZ-USP, 2015; sócia da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária desde 2015; realiza atendimentos na especialidade de dermatologia no Hospital Veterinário Taquaral, em Campinas, SP

Kauê Ribeiro Médico-veterinário coordenador de Comunicação Técnica da Vetnil.

Márcia Sonoda Formada pela FMVZ-USP, com mestrado e pós-graduação (lato sensu) na área de dermatologia veterinária, ambos pela USP. Possui mais de 13 anos de experiência na área, atendendo e ajudando pacientes caninos e felinos com dermatopatias de todo o Brasil.

Mariana Caetano Pimentel Médica-veterinária pós-graduada em Dermatologia Veterinária de Cães e Gatos. Sócia fundadora da empresa Bichos & Petiscos, Consultório, Dermatologia e Estética Pet, de Nova Friburgo-RJ. Atuação e experiência na área de Clínica Médica com ênfase em Dermatologia de Cães e Gatos, e Estética Pet.

Por Samia Malas


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