A procura pelo Sagrado da Birmânia

Publicado em 12/01/2022

Apesar de popular mundo afora, a tradicional raça ainda é pouco conhecida pelos brasileiros; investigamos os motivos

Arquivo gatil Cat Labelle

De beleza singular, o Sagrado da Birmânia atrai a atenção de todos com seus olhos azuis e suas delicadas “luvas” e “botas” brancas. Comportamento dócil e companheirismo são outras qualidades que sobressaem entre tantas outras. Devido a essas características, em diferentes países, a raça se destaca no grupo das mais populares. O mesmo, porém, não acontece no Brasil. Estima-se que o felino tenha aparecido em terras nacionais na década de 1970, no entanto, ele não multiplicou sua quantidade de criadores na mesma proporção que outras raças, como o Maine
Coon ou Persa. Por isso, a pergunta que fica no ar é: Por onde anda o Sagrado da Birmânia?

Sucesso Europeu

Para entender sua presença em nosso país, é preciso analisar como a raça é vista em outras nações. Entre os franceses, por exemplo, ela está em franco crescimento. Em 2003, havia 2.419 gatos registrados, enquanto no ano passado foram feitos 4.559 registros, segundo o Livre officiel des origines félines (LOOF). “Estive julgando na Europa no ano passado e encontrei exposições com grande número de Sagrados de excelente qualidade”, acrescenta o presidente do Clube Brasileiro do Gato (CBG), Gerson Alves, que tem como meta incentivar o crescimento da raça no Brasil nos próximos anos.
Dono de uma origem nebulosa, com diferentes versões, o Sagrado possui uma relevante história na França. Reconhecida oficialmente no país em 1925, a raça sofreu uma transformação no país, após o término da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que, nesse período, o gato estava quase extinto, restando apenas um casal de exemplares. Para garantir a continuidade do felino, foram feitos cruzamentos deles com outras raças – possivelmente entre as selecionadas estavam o Persa e o Siamês. De acordo com a Federation of the Origin of Books Feline French, acredita-se que todos os Sagrados atualmente sejam descendentes, de alguma maneira, dessas duas raças.
Desde então, o gato foi exportado para diversos países europeus. Na Inglaterra, ele foi reconhecido pela principal associação felina local, The Governing Council of the Cat Fancy (GCCF), em 1966. Na ilha britânica, o bichano, que também ficou conhecido como Birmanês, é a sétima raça mais criada. “O Sagrado da Birmânia tem sido muito popular desde quando foi importado pela primeira vez da França. A raça está presente em muitas exposições e ganha diversos prêmios”, diz Anne Madden, presidente do Birman Cat Club, o maior dentre quatro associações dedicadas à raça no Reino Unido. Apesar disso, o número de registros na Inglaterra tem diminuído no decorrer dos anos: em 2004 eram 2006 gatos da raça registrados, enquanto que em 2014 apenas 910. Anne explica que muito se deve à informalidade, já que diversos criadores não registram seus felinos devido ao custo necessário. “O clube não gosta disso nem aprova, mas acontece”, lamenta.

Miando pela América

O Sagrado da Birmânia chegou aos Estados Unidos em 1959 e foi aceito em campeonatos pela The Cat Fanciers’Association (CFA) em 1967. Não demorou muito e, apenas 5 anos depois, já conquistava o título de grande campeão. De acordo com a associação, é provável que o bichano tenha feito esse sucesso repentino nos torneios por ainda ser uma novidade no país.
Atualmente, o clube americano da raça, National Birman Fanciers (NBF), organiza dois shows por ano. Contudo, apesar de sua popularidade ter aumentado ao longo desses quase 40 anos, é difícil ver uma quantidade significativa desses gatos em competições que abrangem uma variedade maior de raças.
O auge do Sagrado nos Estados Unidos foi no início da década de 1990. Segundo Karen Lane, responsável pelo conselho da raça na CFA, em 1994 eram 1988 animais registrados. Na época, era o nono gato mais criado da associação – nesse ano eram reconhecidas 35 raças diferentes. A quantidade de registros do felino continuou relativamente estável e ele permaneceu na mesma colocação até 1998.
Em 2000, o bichano subiu duas posições entre os mais criados, porém, os registros diminuíram para 1.800 gatos. “Muitos Sagrados foram importados durante esse período, já que os criadores trabalhavam para ganhar a aceitação dos padrões tabby point e red na CFA. Com o aumento da importação de gatos, nossos números começaram a cair nesse ano”, explica. Em 2004 já eram 1400 registros.
Ainda segundo Karen, nos últimos 10 anos o Sagrado entrou em declínio de registros, assim como a maioria das raças aceitas pela associação. “Ele passou de 1400 para 900 filhotes registrados. O felino é hoje a 16ª raça mais popular da associação, que agora reconhece 42 raças”, diz a norte-americana.
Karen explica que muitos fatores contribuíram para essa redução. Uma parcela dos criadores envelheceu e se aposentou, enquanto os mais jovens têm escolhido outras raças. “Alguns especialistas em gatos colocam a culpa nas dificuldades econômicas vivenciadas recentemente nos EUA. Nós também fomos impactados pela legislação local, tanto a nível estadual quanto municipal, que limita a quantidade de gatos permitidos em nossas casas”, avalia. Ela ainda acrescenta que, embora a associação tenha se expandido em diferentes países, os criadores de Sagrado não têm se filiado à
CFA. “Ainda que o número de raças esteja aumentando em todos os lugares, o maior crescimento da CFA não tem sido visto nos EUA, mas sim na China e outros países asiáticos”, revela. “A quantidade de filhotes de Sagrado continua diminuindo e nós vamos permanecer como uma raça minoritária no futuro. Há mais casas que desejam esse gato como pet do que criadores para criá-los”, projeta.

Fotos fornecidas por Márcio Ribeiro, do gatil Cat Labelle e Karen Lane Karen Lane, responsável pelo conselho da raça na The Cat Fanciers’Association

No Brasil

Em terras brasileiras, a quantidade de registros do felino também tem diminuído nos últimos cinco anos, segundo o presidente do CBG. “Faz muito tempo que não temos a participação de gatos da raça nas exposições. Tivemos até inscrições, mas o competidor se ausentou. É uma raça muito difícil de criar, pois exige características complexas e muitos criadores acabam desistindo”, afirma.
Criador da raça, Márcio Ribeiro, do gatil Cat Labelle, de Granja Viana-SP, concorda que quando trata-se de competições nacionais o gato não é figurinha carimbada. “Infelizmente, o Sagrado da Birmânia não tem mais aparecido em exposições. Existem vários fatores para isso, mas destaco dois principais: as associações e os juízes, por consequência, exigem características e um padrão da raça muito difícil de se alcançar, condições que pesam muito nos julgamentos”, analisa.
O criador cita como exemplo as marcantes luvas brancas do felino. “Essa característica não depende da vontade do criador, ou seja, ela não pode ser manipulada.” Márcio explica que dois gatos bem marcados não terão, necessariamente, filhotes com as marcações perfeitas, ou seja, poderão ter ou não as luvas simétricas dentro do padrão exigido. “Trata-se de um gene recessivo. Um gato com luvas não simétricas, ou mesmo com a ausência de alguma dela, não tira as qualidades do Sagrado da Birmânia. Apenas será um gato que não se sairá bem em exposições, caso ele tenha esse objetivo.” Ele salienta, porém, que outros fatores, como pelagem, conformação física, cor dos olhos, e comportamento podem ser manipulados pelo criador por meio de cruzamentos.
Segundo Márcio, na maioria das federações, as luvas possuem um peso muito grande na avaliação: até 30% do peso do julgamento. “As luvas são consideradas o ‘calcanhar de Aquiles’ na criação da raça em todo mundo.” Para ele, essas exigências são tão grandes que fazem com que a raça dificilmente ganhe alguma competição, afetando assim a vontade do criador de expor seus animais. “Creio que isso deveria ser revisto, pois há anos já não vemos mais a raça em ringues de competição. Eu era participante assíduo e, há mais de 5 anos, deixei de participar”, avalia. “Outro motivo é que hoje há poucos e desunidos criadores da raça no Brasil, e a cada ano que passa esse número diminui mais.”

Troféu Para quê?

Não há dúvidas, porém, que a beleza da raça está muito além das pistas de competição. Resistir às patinhas brancas, ao belíssimo pelo e ao olhar doce desse felino é para poucos. “A beleza do gato como um todo é um grande atrativo. As luvas e os olhos azuis-safira encantam a todos”, diz o criador.
Quando o assunto é Sagrado da Birmânia, aliás, Márcio se destaca: Ele cria a raça desde de Nos últimos 5 anos, inclusive, ele tem observado uma procura crescente pela raça. “O gatil Cat Labelle teve grande participação na divulgação do Sagrado da Birmânia no Brasil. Foi por meio do gatil que várias cores se tornaram conhecidas por aqui”, opina. Até então, via-se apenas gatos com as cores mais tradicionais, ou seja, o seal (foca) e o blue point (azul ponteado). Hoje, as cores lilac (lilás), chocolate e red (vermelho), tanto sólidas (gatos inteiros de uma só cor) quanto tabbys (listrados) são mais conhecidas. “Devido à grande variedade de cores da raça e à internet, houve aumento na procura pela raça”, acrescenta.
O criador explica que as pessoas que o procuram para adquirir um felino são atraídas pela beleza, delicadeza e, principalmente, amabilidade do animal. Apesar de o gato ser repleto de misticismo, histórias e lendas, é seu comportamento que mais seduz as pessoas. “O Sagrado da Birmânia é conhecido como o gato-cachorro, devido ao seu companheirismo e inteligência. A única raça realmente conhecida por essa qualidade, basta ver a literatura mundial disponível sobre a raça para confirmar isso”, enfatiza.
Pouco falante e possuidor de um miado suave, o gato ama interagir com sua família humana, atende pelo nome e adora seguir seu dono pela casa. “Ele também está sempre disposto a brincar, principalmente de esconde-esconde ou de pegar e buscar pequenos objetos, como bolas de papel.” Não à toa o temperamento carinhoso e companheiro faz muito sucesso com as crianças, além dese adaptar muito bem com outros animais.
Indica-se não deixar o felino sozinho por muito tempo, já que trata-se de um animal muito apegado aos seus tutores. Caso contrário, apesar de não adoecer, o bichano pode se sentir muito carente e tentará recuperar a atenção assim que o dono chegar em casa. “Ficará como um grude atrás dele”, destaca Márcio. “Aconselho a sempre que, em caso de o gato ficar sozinho por muito tempo, deixar o rádio ou mesmo a TV ligada.” Isso fará com que o animal não se sinta sozinho, ouça barulhos e não se torne um gato assustado ou medroso.
Por isso, para que ele não se sinta sozinho, o recomendado é criá-lo com outro amigo felino. Mas, segundo o criador, isso não será um problema, pois, geralmente, quem tem um Sagrado da Birmânia dificilmente fica apenas com um exemplar. “Depois de pouco tempo, os tutores ficam tão encantados com o gato que adquirem outro.” Não é para menos, quem resiste a tamanha beleza?


Agradecimentos;

Anne Madden, presidente do Birman Cat Club, da Inglaterra www.birmancatclub.co.uk

Gerson Alves, presidente do Clube Brasileiro do Gato http://www.clubebrasileirodogato.com.br

Karen Lane, responsável pelo conselho da raça na The Cat Fanciers’Association

Márcio Ribeiro, do Gatil Catlabelle, de Granja Viana-SP http://www.catlabelle.com.br


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