Por trás da mente e do corpo dos gatinhos idosos

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Foto: adogslifephoto/iStockphoto.com

Veja 12 alterações bastante comuns em felinos a partir dos 7 ou 8 anos de vida

Entender as necessidades e mudanças que ocorrem com a idade é fundamental para proporcionar qualidade de vida, realizar o diagnóstico precoce de doenças e oferecer os cuidados específicos ao felino idoso. A senilidade traz alterações fisiológicas ao corpo e as doenças geralmente são crônicas, debilitantes e progressivas. 

A idade cronológica de um gato pode não corresponder à sua idade funcional e, no mesmo indivíduo, alguns órgãos podem envelhecer em momentos diferentes. Os atuais estágios de vida felinos diferenciam as fases de envelhecimento em: maduro (7 a 10 anos), idoso (11 a 14 anos) e geriátrico (acima de 15 anos). A porcentagem de gatos mais velhos está aumentando graças aos cuidados de proteção, saúde e alimentação, e muitos gatos hoje vivem muito mais, chegando aos 20 ou 25 anos. {PAYWALL_INICIO}

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Figura 1: Leucotríquia (pelos brancos) em um gato de 15 anos: ela é mais bem visualizada em gatos pretos – Fotos: Arquivo pessoal Fernanda Amorim

Efeitos do envelhecimento

Vários sistemas mudam com a idade do paciente e muitas dessas mudanças são fisiológicas. A capacidade imunológica diminui principalmente após 10 anos, quando há diminuição do número total de células de defesa e pior execução de suas funções. A função imunológica também pode ser afetada pela presença de tratamentos crônicos ou imunodepressores, levando a um risco aumentado de infecções. Veja outros efeitos do envelhecimento felino: 

1- Mais sensível à desidratação

O envelhecimento provoca uma diminuição no tamanho do fígado e dos rins. Além disso, também há uma redução de fluxo sanguíneo nos rins e da taxa de filtração renal, resultando em um aumento da sensibilidade à desidratação. Essas alterações também podem afetar a absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos medicamentos.

2- Órgãos alterados

Os pulmões perdem elasticidade e há diminuição do número de alvéolos. Em gatos mais velhos, o coração também fica menos complacente e assume uma posição mais horizontal.

3- Pele mais seca

A pele é afetada pela redução da quantidade de gordura, colágeno e elastina, alterando o teor de umidade. Gatos geriátricos têm predisposição a infecções na pele, uma vez que esses pacientes não fazem a autolimpeza de maneira eficaz. Após os 12 anos de idade, a pele pode ficar mais escura (hiperpigmentação) e seus pelos vão ficando brancos (acromotriquia ou leucotriquia) (Fig. 1), o que é bastante perceptível em gatos pretos.

4- Termorregulação prejudicada

Essa alteração ocorre no sistema nervoso central, tornando os gatos mais sensíveis ao calor ou frio, dependendo da estação e da temperatura ambiente. 

5- Doenças oftalmológicas

A esclerose lenticular do cristalino (Fig. 2) pode ser confundida com catarata pelos proprietários. A atrofia difusa da íris pode ser identificada em gatos com mais de 12 anos. Ela é caracterizada pela presença de pequenos orifícios e mudança sutil de cor. Alguns gatos também passam a ter pequenas manchas pigmentadas castanhas na íris. Manchas grandes ou que aumentem de tamanho devem ser avaliadas.

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Figura 2: Esclerose lenticular, atrofia e manchas castanhas na íris são achados comuns em gatos mais velhos, geralmente naqueles com mais de 12 anos

6- Visão e audição diminuídas

Isso pode levá-los a se assustarem facilmente e a demonstrarem desorientação. Por isso, o ambiente deve permanecer inalterado, evitando-se mudanças de rotina e de disposição dos móveis. Os recursos básicos importantes (vasilhas de comida, água e sanitárias, camas confortáveis e aquecidas, escadas e rampas de acesso a móveis, locais para pegar sol, brinquedos e arranhadores) devem estar disponíveis e próximos dos locais que os felinos mais gostam de ficar na casa.

7- Perda de peso

O paladar e olfato reduzidos dificultam a manutenção de uma boa condição corporal. Depois dos 12 anos, a necessidade de energia aumenta, explicando por que os gatos mais velhos geralmente têm peso abaixo do normal. A perda de peso causa diminuição da massa muscular e pode ocorrer atrofia muscular devido à inatividade física, levando à fraqueza. 

8-Digestão prejudicada

Gatos mais velhos também são menos capazes de digerir a gordura e as proteínas da dieta, por isso precisam de rações específicas para essa idade, cuja digestibilidade é maior e também a reposição de vitaminas, antioxidantes e nutracêuticos importantes. O estímulo à ingestão de água e ao fornecimento de alimento úmido devem ser incentivados, para que não desidratem. 

9- Unhas crescem mais rápido

Além de crescerem mais rápido, também ficam mais espessas (paquioníquia) e mais frágeis (Fig.3), exigindo mais cuidados em gatos com mais de 10 anos. A artrose dos dedos pode impedi-los de afiar as unhas e de realizarem a sua retração, tornando-as expostas permanentemente.

10- Dentes doloridos

Os dentes se tornam doloridos devido a problemas como lesões de reabsorção, estomatites e periodontites graves, fazendo com que apresentem mal odor na boca (halitose) e dificuldade para se alimentarem, agravando a perda de peso e a dor crônica.

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Figura 3: Unhas expostas, espessadas (paquioníquia) e frágeis em gato de 14 anos

11- Dor crônica

A mudança na composição da cartilagem está associada à doença articular degenerativa. A cartilagem articular sofre desgaste, causando dor crônica, alterações de comportamento, depressão e piora da qualidade de vida. A dor em gatos com essa doença ocorre normalmente na coluna, cotovelos, joelhos, quadris, ombros e calcanhares. Estudos indicam que até 92% dos gatos maduros, idosos e geriátricos podem ter doença nas articulações. Contudo, a dor muitas vezes não é percebida nos gatos porque eles são eficientes em disfarçá-la. Isso ocorre porque esses animais mantêm o comportamento selvagem estoico, que determina que não podem demonstrar fraqueza perante os possíveis predadores e devido à necessidade de caçar para se alimentarem. Dessa forma, se escondem ou ocultam sinais de dor ou fraqueza. Eles também raramente mancam, porque a doença costuma afetar a mesma articulação em ambos os lados (p.e. ambos os joelhos), por isso, são bem diferentes dos cães, que podem apresentar mais dor em uma perna apenas, mancando de forma perceptível. Sinais de dor também são mais facilmente reconhecidos em cães, porque costumam ser levados para passear. Portanto, qualquer mudança no comportamento do seu gato pode ser um sinal de dor. Para identificar alterações, compare os comportamentos diários e as reações do seu gato em diversas situações. Note se são os mesmos que o animal tinha quando era um jovem adulto. Normalmente, eles passam a brincar menos e dormem mais, hesitam em subir e descer escadas, usam cadeiras e bancos como degraus intermediários para subir e descer de móveis, evitam sentar e parecem mais “endurecidos” ao caminhar.

12- Comportamento alterado

As mudanças mais comumente observadas no comportamento incluem desorientação espacial ou temporal (esquecem onde ficam as coisas, se acabaram de comer), interação alterada com a família e com outros gatos (procuram por atenção, podem ficar mais intolerantes e agressivos), mudanças nos ciclos de sono-vigília (ficam acordados à noite), micção e/ou defecação fora das caixas de areia, mudanças na frequência de atividade e vocalização inadequada (frequentemente exibida como choros e chamados, principalmente à noite). Essas alterações comportamentais podem ser causadas pela presença de dor crônica, déficit auditivo e/ou visual, mudanças ambientais, luto, doenças como hipertensão arterial, hipertireoidismo, doença intestinal, tumores cerebrais, disfunção cognitiva ou, frequentemente, uma combinação de várias dessas causas. 

Os comportamentos alterados são frequentemente vistos como alterações “normais do envelhecimento” pelos tutores, o que determina que muitos gatos sofram cronicamente com dores insuportáveis, doenças debilitantes e depressão mental. Algumas vezes, esses comportamentos levam à grande irritação dos proprietários, principalmente quando há vocalização noturna, que acabam por punir, reduzir sua interação com os gatos ou ainda abandoná-los, agravando os “maus comportamentos” e o isolamento dos felinos. 

Foto: Aleksandr Zotov/iStockphoto.com

Mais qualidade de vida

É importantíssimo enfatizar que atualmente existem diversos tratamentos disponíveis que devem ser iniciados o quanto antes, para que se promova um envelhecimento saudável e a manutenção da ligação emocional e a boa convivência entre animal e donos. O médico veterinário irá orientar como deve ser a estimulação mental, a alimentação, a interação social, os cuidados de saúde e como resolver, ou pelo menos amenizar, algum comportamento indesejável.

Por todos esses motivos, os gatos senis inspiram cuidados e devem ter doenças diagnosticadas de forma precoce, para que possam ser tratados e, dessa forma, viverem mais e com mais qualidade de vida. A avaliação clínica de gatos mais velhos saudáveis pelos médicos veterinários deve ocorrer em intervalos não superiores a seis meses, considerando a condição física do paciente, histórico, bem como exames laboratoriais para detecção e monitoramento de enfermidades. Porém, essa frequência não deve ser rígida, pois o estado de saúde do gato idoso pode mudar rapidamente, principalmente nessa faixa etária, com certos sinais de doença que passam despercebidos pelos proprietários, como a perda de apetite ou o aumento da ingestão hídrica e do volume de urina. Além disso, gatos envelhecem quatro vezes mais rapidamente que as pessoas e, por isso, as doenças podem evoluir e se agravar rapidamente.


Por: PROFA. FERNANDA V. AMORIM DA COSTA

Professora associada de Clínica Médica de Gatos Domésticos na graduação e pós-graduação, coordenadora do serviço de atendimento de medicina felina do hospital de clínicas veterinárias e do curso de especialização em clínica médica de felinos domésticos no Departamento de Medicina Animal, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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