Entenda os principais comportamentos felinos e o que os motiva

Então, ao espalhar seus feromônios, eles mantêm outros ratos distantes.

Documentário na Netflix e especialistas brasileiros e estrangeiros esclarecem algumas das condutas que podem deixar dúvidas nos tutores de gatos felinos e o que os motiva

Foto: Dorin Puha/iStockphoto.com

Os gatos domésticos ainda são animais que despertam muita curiosidade sobre o seu comportamento. Sua popularidade crescente os coloca em cada vez mais lares ao redor do mundo, mas em comparação com os cachorros, ainda faltam muitos estudos que aprofundem uma investigação para entender melhor os felinos. É o que explicam alguns especialistas ouvidos no documentário “Dentro da Mente de um Gato”, lançado em agosto de 2022 na plataforma de streaming da Netflix.

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QUASE UM ANIMAL SELVAGEM

O documentário aponta uma questão fundamental para muitos comportamentos “curiosos” dos felinos: eles evoluíram diretamente do seu ancestral. O Felis catus, nome científico do gato doméstico, é uma espécie derivada do gato selvagem africano. “Em 10 mil anos o DNA dele mudou muito pouco. Em termos de genética, temos um animal selvagem em casa”, explica Bruce Kornreich, diretor do Centro de Saúde Felina Cornell. A psicóloga felina Kristyn Vitale, professora adjunta da Faculdade Unity, completa: “Ao longo da evolução, os gatos não evoluíram tanto assim. E agora eles são uma mistura entre aqueles gatos selvagens e os gatos domésticos que queremos que eles sejam”. Kristin também acredita que o motivo pelo qual os felinos são frequentemente comparados negativamente aos cães, se explica pelo fato de eles terem sido pouco estudados e compreendidos. “Em comparação com as pesquisas feitas com cães, as pesquisas com felinos estão, aproximadamente,15 anos atrasadas”, aponta Saho Takagi, da Universidade de Azabu, que trabalha em conjunto com Kristyn e é uma das maiores pesquisadoras de felinos no mundo. As duas especialistas, no entanto, chegaram a algumas conclusões bastante relevantes: a maior parte dos gatos reconhece seus nomes, identifica o rosto e a voz dos humanos e de outros gatos e estabelece fortes conexões com seus tutores. Mas existem alguns outros comportamentos comuns à espécie que já foram identificados por outros especialistas.

ARRANHANDO POR TODO LUGAR

Sem estresse diante das arranhadas pela casa! O comportamento de arranhar é natural dos gatos, explica a terapeuta comportamental de felinos Luiza Cervenka, bióloga com mestrado em Psicobiologia. Este é, para eles, um exercício de marcação de território importante para que ele se sinta confiante e seguro no ambiente. O ato também mantém as unhas afiadas e o ajuda a alongar e relaxar. “O gato dá preferência para arranhar locais que estejam no centro do território, especialmente se há outros gatos. Costuma ser o sofá pela posição da casa, por geralmente ter um tecido muito agradável para ele colocara unha e puxar, e também por ser grande e fixo. É confortável para ele”, esclarece a especialista. Mas isso não significa que você, como tutor de felinos, deve dar adeus para o seu sofá. Luiza explica que eles utilizam os móveis da casa para a arranhadura, geralmente, quando não há um local adequado para que ele possa fazer isso. “Quando o gato olha uma cortina, por exemplo, ele não vê uma decoração. Ele vê toda a casa como um espaço para ele executar os seus comportamentos naturais. A cortina se torna um ótimo playground quando ele não tem um playground próprio. Ou seja, se ele não tem atividades no seu dia a dia de acordo com a natureza dele, o gato vai arrumar o que fazer”, diz ela. Portanto é importante observar esses espaços onde ele gosta de ficar, brincar e arranhar para incluir elementos de “gatificação”, como os arranhadores.

MIADOS EM EXCESSO

A falta de castração do pet pode levar ao miado em excesso para chamar a atenção do macho ou da fêmea no período reprodutivo, mas existe um motivo mais comum: “gatos, na natureza, não vocalizam muito uns com os outros. Apenas em momentos específicos quando são filhotes, nos períodos reprodutivos ou em situação de conflito. Mas eles aprendem conosco que ‘falar’ com a gente funciona. Ou seja, o próprio tutor reforça nele o comportamento de miar”, pondera a bióloga Juliana Damasceno, especializada em comportamento e bem-estar felino e fundadora da WellFelis. O miado, portanto, é uma forma de comunicação que o gato desenvolve ao longo da vida para atingir o ser humano. “Muitas vezes, como forma de cessar o miado, o tutor acaba reforçando esse chamamento ao fazer o que o gato quer, seja dar um petisco, brincadeira, água, carinho ou atenção. Com isso eles aprendem a miar cada vez mais”, aponta Juliana. Pode parecer fofo, mas ela alerta para os perigos dessa dependência: quando o tutor não está presente para atender às necessidades do animal, ele pode parar de comer e beber. Portanto, o pet precisa ter uma certa autonomia e independência do tutor. O miado excessivo ainda pode ser causado por dores e doenças, como a Disfunção Cognitiva, comum em idosos e que os deixa desorientados. Então, uma visita ao veterinário é necessária, caso esses miados surjam de forma repentina ou se seu gatinho já é mais idoso.

FEZES E URINA FORA DO LUGAR

De acordo com Luiza, quando o gato faz suas necessidades fisiológicas fora da caixinha de areia, as explicações podem ser, basicamente, duas: erro de manejo ou dor. O primeiro caso pode acontecer quando a caixa é menor do que o bichano ou está mal localizada (como em lugar de passagem ou perto de máquina de lavar), quando ela não é limpa com frequência, quando o substrato utilizado é inadequado ou há pouca quantidade dele na caixa. O indicado é ter uma caixa a mais do que o número de gatos na casa. “E se tiver mais de dois gatos na mesma casa, o ideal é ter pelo menos dois espaços diferentes para a caixa de areia para um animal não encurralar o outro”, explica ela. No segundo caso, é imprescindível a visita ao médico-veterinário para que este avalie o quadro e faça um diagnóstico para determinar o que está causando a dor do felino.
Existe ainda um terceiro motivo, um pouco menos comum, que leva o pet a fazer fezes e urina fora do lugar, que é a marcação de território. “É uma questão de conflito. Para impedir isso, o tutor precisa criar um ambiente propício para todos os gatos, onde haja recursos abundantes. Se são três gatos, são três tocas, três fontes, três potes de comida, três lugares diferentes para tomarem sol”, declara Luiza.

Foto: Kateryna Kovarzh/iStockphoto.com

IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

A brincadeira é imprescindível na vida dos gatos em todas as fases da sua vida. “Ele é um felino, portanto predador eficiente. Toda a sua morfologia, fisiologia, os órgãos do sentido estão voltados à especialização em predar. Não caçar resulta na falta de muitos estímulos motores, cognitivos e sensoriais para ele”, conta Juliana. As brincadeiras de caça, portanto, devem ser estimuladas todos os dias. Ela também aponta que hoje existem muitos brinquedos com os quais os gatos podem brincar sozinhos, mas eles não substituem a interação entre humano e bichano nos momentos lúdicos – pelo menos 15 minutos ao dia. Em sua pesquisa de mestrado, Juliana investigou os melhores horários para as brincadeiras com os pets, e os resultados mostraram que eles coincidem com os momentos de picos de atividades dos felinos, no início da manhã e final da tarde. “É importante salientar que eles vão se interessar por movimentos e materiais que lembram suas presas, portanto brinquedos menores, mais leves, fitas, plumas e pelúcia”, ressalta.

GATOS AGRESSIVOS

Os motivos que podem explicar a agressividade nos felinos domésticos são muitos, mas o primeiro passo é saber se, de fato, se trata de um comportamento agressivo. “Quando o gato não é ensinado a brincar de formas não agressivas quando filhote, ele pode apresentar um comportamento mais bruto que, na realidade, é só uma brincadeira para ele. Uma brincadeira de morder e arranhar. Também tem aquele pet que tem instinto caçador, mas não recebe estímulos com exercícios diários, então ele caça, por exemplo, a canela do tutor”, explica Luiza. Ainda segundo ela, nestes casos, é preciso instruir o animal para que ele redirecione suas atitudes para aquilo que é esperado. Juliana também aponta que muitos tutores acabam reforçando positivamente comportamentos agressivos, como quando “recompensam” o bichano com um petisco depois que este morde para chamar a atenção. “Isso é bem comum e bem grave, porque com isso ele vai ficando mais intenso nas próximas vezes”, alerta. Mas caso o pet, de fato, tenha comportamentos agressivos com os tutores e outros animais da casa, fora dessas situações descritas acima, é possível que ele seja motivado por disputa de território e recursos, ou ainda por sentir dores. Nesses casos, uma consulta com um especialista em comportamento e um veterinário são recomendada.

PULANDO NA MESA

Em postagem no seu site, a consultora comportamental felina norte-americana Marci Koski, discutiu a “problemática” que é – para alguns tutores – o comportamento dos gatos que sobem nas mesas e em outras superfícies na casa, como balcões e pias. Ela explica que os felinos geralmente gostam de subir em locais altos, afinal, na natureza estes espaços serviam tanto de proteção contra outros predadores quanto de postos de observação. Há motivações ainda mais simples para o gato subir na mesa, pois é onde ele encontra objetos divertidos para brincar quando está entediado, e também é uma forma de chamar a atenção do tutor. Mas quando este comportamento natural se torna um problema dentro de casa, ela propõe algumas sugestões: nunca deixar ou fornecer petiscos e outras recompensas nestes locais, para não fazer um reforço positivo da atitude; mantenha brincadeiras, brinquedos e outras atividades que o estimule todos os dias; e forneça locais adequados para ele subir. Sobre o último passo, ela descreve: “Muitas pessoas pulam esta etapa quando, na verdade, é uma parte importante da solução […] Pode ser uma árvore/torre de gato [própria para os pets] ou mesmo banquinhos. Chame-o para seu poleiro especial, incentive-o a subir (usando um brinquedo ou guloseima) e, quando o fizer, dê-lhe uma recompensa, que nem sempre precisa ser um petisco ou comida, mas pode ser um afago ou uma atenção prazerosa”, ensina.

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CONCLUSÃO

Apesar de já sabermos bastante sobre os nossos gatinhos, ainda há muito o que se descobrir estudando esses pets. O mistério faz parte do charme, mas quanto mais sabemos sobre a espécie, quanto mais especialistas surgem e pesquisas são realizadas, mais saudável é a nossa convivência e mais qualidade de vida podemos oferecer a eles.

Agradecemos as participações:

Bruce Kornreich. Médico-veterinário e diretor do Centro de Saúde Felina Cornell, localizado em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Marci L. Koski. Possui certificados especializados e avançados em Treinamento e Comportamento Felino pelo Animal Behavior Institute.
Dra. Kristyn Vitale. Professora adjunta em Comportamento e Saúde Animal da Faculdade Unity. PhD em Ciência Animal da Universidade do Oregon.
Luiza Cervenka. Bióloga com mestrado em Psicobiologia, atua como terapeuta comportamental de felinos. É palestrante, influencer e colunista do Blog Comportamento Animal, do Estadão. luizacervenka.com.br
Juliana Damasceno. Bióloga com mestrado e doutorado na área de Psicobiologia, especializada em comportamento e bem-estar felino e fundadora da empresa WellFelis. www.wellfelis.com.br
Saho Takagiu. Uma das maiores pesquisadoras de felinos no mundo. Atua no departamento de Ciência Animal e Biotecnologia da Universidade de Azabu, localizada no Japão.


Por Aline Guevara


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