Em busca de uma vida mais digna, refugiados de zonas de guerra buscam a felicidade na Europa acompanhados de seus gatos
Imagine precisar fugir às pressas de seu país e largar tudo para trás: casa, sonhos, carreira… Esse drama tem sido vivido por milhares refugiados de guerra. Muitos, porém, não conseguem se separar de seus companheiros felinos e os levam para verdadeiras odisseias. Para esses, o gato, assim como um filho, deve estar sempre ao lado, seja nos momentos difíceis ou felizes.
Foi o caso do sírio Moner Al Kadri, de 26 anos. Se, para muitos recém-casados, viajar pela Europa é sinônimo de festa e alegria, para ele não foi. Com o intuito de fugir do terror da guerra em seu país, ele iniciou uma jornada corajosa. Assim que se casou em Istambul, na Turquia, Kadri embarcou em um bote inflável rumo à Grécia, acompanhado de sua esposa, Nadia, e sua gatinha, Zaytouna (azeitona, em árabe). A felicidade completa só seria alcançada ao lado das duas.
O amor pela felina falou mais alto e, durante semanas, ele atravessou o Mediterrâneo carregando-a em uma tipoia enrolada pendente de seu pescoço. O primeiro desafio, que muitos refugiados infelizmente não conseguem vencer, foi superado: o mar foi derrotado e a família conseguiu chegar viva à ilha de Lesbos, na Grécia. A partir daí eles foram rumo à cidade de Suhl, na Alemanha, em busca de paz e uma vida melhor. Quando chegaram ao campo de refugiados foi anunciada a péssima notícia: a gata seria confiscada e colocada em quarentena pelos agentes do governo local. O procedimento é para controlar a entrada de animais doentes. O sírio, que não fala alemão, disse ao site de notícias americano BuzzFeed News que não sabia o motivo do confisco ou quando eles iriam receber a gata de volta. “Nós não temos filhos ainda”, disse Al Kadri. “Nós só temos Zaytouna. Precisamos recuperá-la.”
As péssimas condições no campo tornavam a dor da perda ainda mais intensa. Sírios, iraquianos, afegãos e outras famílias que fogem de zonas bélicas do Oriente Médio entram em conflito para receber pequenas porções de alimentos. Além disso, a estrutura frágil e insalubre, com poucos funcionários, propicia o aparecimento de doenças, como sarna e hepatite. “É como uma prisão aqui”, disse ao Buzzfeed. “Quando fazemos queixas, dizem: ‘Se você não gosta daqui, volte para a Síria’”, lembra. “É tão doloroso quando dizem isso.
”Notícia inesperada“
O casal conseguiu deixar o campo de refugiados e, com a ajuda de ativistas locais e amigos alemães e austríacos, se mudaram para um pequeno apartamento próximo à região. Eis então que um dia eles recebem a notícia: Zaytouna estava de volta. Foram cerca de três meses de angustia,sem nenhuma informação da felina, até que, em dezembro do ano passado, sem nenhum aviso, uma veterinária de um abrigo patrocinado pelo governo foi até a casa deles para devolvê-la.
Segundo Kadri, a funcionária contou que, na maioria dos casos, quando as pessoas trazem seus bichos de estimação da Síria, eles simplesmente são eliminados. “Eu não sei por que isso não aconteceu com Zaytouna, mas ela está saudável e com a gente, e eu não me sentia tão feliz assim há muito tempo.” A funcionária do governo também levou comida, petiscos e brinquedos para a felina.
“A primeira coisa que ela fez foi rastejar na cama com a gente”, disse o refugiado. “Ela se lembra de seu nome, ela sabe que está com sua família.” Durante o tempo que ficou reclusa, Zaytouna também recebeu seu próprio passaporte. “Meu gato é um cidadão europeu!”, contou Al Kadri rindo. Apesar de os últimos meses terem sido extremamente difíceis, ele afirma que, agora, com um lugar para morar e com a companhia de sua esposa e sua gatinha, todos estão muito mais felizes. “Quando você vê que tem os mesmos direitos e é respeitado como um ser humano, qualquer que seja a sua nacionalidade, a sua cor, a sua religião, você percebe que deve estar feliz.” Atualmente, o casal está tentando aprender alemão, pesquisando universidades para estudar, e busca documentos necessários para se regularizar no país.
“Amor pelos animais”
Notícias de refugiados que levam seus animais de estimação consigo não são raras nos noticiários. Muitos viajam centenas de quilômetros ao lado dos seus companheiros de quatro patas. “A realidade é que as pessoas não querem fugir da guerra sem seus pets”, diz Gerardo Huertas, diretor de operações e de gestão de desastres da World Animal Protection, organização sem fins lucrativos focada na melhoria do bem-estar animal. “Em questionários temos perguntado às pessoas o que elas levariam consigo se tivessem deixado suas casas, cães e gatos sempre estão no topo da lista.”
“Encontros e desencontros“
Assim como Zaytouna, o gatinho Kunkush percorreu uma jornada parecida com sua família humana. Sua dona e os cinco filhos dela, quatro meninas e um menino, fugiram de Mossul, cidade iraquiana atualmente sitiada pelo Estado Islâmico. Em novembro, a família partiu de bote rumo à ilha grega de Lesbos, porta de entrada para centenas de milhares de refugiados.
O felino atravessou o Mediterrâneo seguro ao lado de sua tutora em uma pequena cesta. Porém, assim que desembarcaram, ele se assustou com a intensa movimentação e barulho, pulou para fora do recipiente e fugiu. Tanto a família quanto os voluntários procuraram pelo animal durante horas, mas não obtiveram sucesso. Mãe e filhos tiveram que seguir e se alojaram em um campo de refugiados e, em seguida, procuraram um país que os recebesse.
Semanas depois de desembarcarem, voluntários encontram o felino muito faminto e assustado na ilha. Os funcionários logo lembraram do caso e lançaram uma campanha para reencontrar os donos. O bichano, apelidado de Dias, foi fotografado e ganhou cartazes que foram espalhados por centros e campos de refugiados. Uma página no Facebook chamada Reunite Dias também foi criada com o intuito de promover o reencontro.
O gato foi levado para um lar adotivo, em Berlim, Alemanha, enquanto esperava por notícias. Os donos adotivos se ofereceram para cuidar do animal durante um ano e adotá-lo, caso a família original não fosse encontrada. No dia 14 de fevereiro, entretanto, os voluntários noticiaram pelo Facebook que a família iraquiana havia sido encontrada. Mãe e filhos, que preferiram manter o anonimato, moram agora na Noruega.
A saga de Kunkush estava próxima do fim quando ele fez então sua última viagem distante de seus donos. O reencontro, filmado pelo jornal inglês The Guardian, foi regado de lágrimas e muita emoção. “Kunkursh, minha vida! Meu querido”, disse a dona, aos prantos, enquanto segurava e beijava o felino. As crianças, também muito emocionadas, não seguraram o choro. A família estava reunida novamente.
Matéria escrita pelo colaborador Julio Mangussi