Ele não resiste a uma encrenca.
Há alguns meses, um vídeo de um bichano defendendo um garoto que brincava em frente a sua casa, nos Estados Unidos, foi publicado na internet e fez sucesso no mundo todo. As cenas gravadas por uma câmera de segurança mostram o exato momento em que o
menino é atacado por um cão e, segundos depois, salvo pelo gato, que, embora bem menor, o fez largar a perna da
criança e sair correndo.
O instinto felino de caça, defesa e marcação de território, que fez o gatinho do americano Roger Triantalifo defender o seu “irmãozinho” humano com unhas e dentes, é uma herança genética de características físicas e temperamentais dos mais espertos e perigosos
mamíferos do planeta.
O tempo passou e diversas espécies foram extintas, no entanto, os milenares felinos selvagens e predadores deixaram um grande legado para os nossos bichanos domésticos: dentes e unhas afiadas, força física, agilidade e instinto territorialista.
Além da genética, outros pontos podem influir na personalidade “encrenqueira” de alguns gatos. “É importante
saber que, para sobreviverem na natureza, os antepassados dos felinos domésticos precisavam se defender, marcar território e caçar as refeições e, para isso, usavam a agressividade. E esses instintos podem ser ativados nos nossos bichanos, especialmente se passarem por circunstâncias que provoquem medo, dor ou frustração”, explica a médica veterinária Ceres Berger Faraco, mestre e doutora em psicologia clínica de problemas comportamentais de cães e gatos.
Aprenda a lidar com os bichanos que às vezes deixam esse instinto falar mais alto e acabam brigando com outros animais, principalmente outros gatos.
POR QUE OS GATOS SE TORNAM ENCRENQUEIROS?
Devido à genética, alguns bichanos são mais sensíveis do que outros. E isso acontece naturalmente ou porque passaram por situações difíceis no passado, já que, de acordo com a médica veterinária especialista em felinos, Melissa Orr, as primeiras experiências têm influência
considerável no comportamento agressivo do gato. Por isso, muitos gatinhos resgatados, por exemplo, são desconfiados e até ariscos devido aos maus-tratos que já sofreram. A médica veterinária Ceres Faraco lista outras situações que podem tornar os felinos agressivos:
• Ter o território “invadido” por estranhos: Alguns gatos gostam de “ficar na deles” e não apreciam ver o seu cantinho com visitas atípicas. Por isso, muitas vezes eles podem se esconder ou até atacar se forem impedidos de entrar em seu esconderijo. De acordo com a médica veterinária Joice Peruzzi, essa situação exemplifica a agressão por medo, que acontece justamente quando um animal ou uma pessoa força o contato com um gato que está
amedrontado e evitando se relacionar com outros pets ou com os humanos.
• Perceber que os recursos são escassos: Quem gosta de ter que controlar as suas necessidades básicas? Ter que competir por água, comida e caixa de areia com outro animal pode deixar os gatos um pouco irritados e gerar conflitos entre eles. Além disso, essa situação pode levar a outra encrenca: o roubo de comida. “É importante averiguar a disposição dos comedouros pela casa. Quando apenas um gato deve fazer uma dieta específica ou há disputa pelo alimento (o que não é tão comum entre os felinos) é interessante separá-los na hora da alimentação e supervisioná-los durante o período, indica Joice.
• Ter acesso fácil a presas naturais: Como você já sabe, o instinto felino estimula a caça, por isso, os peixes e os pássaros não podem ficar “dando sopa” perto do bichano. Portanto, para evitar encrenca, coloque os aquários e as gaiolas em um local onde os gatos não tenham acesso.
• Ser estimulado a brincadeiras de caça com pessoas: O bichano não deve se acostumar a arranhar, morder, surpreender e assustar o seu tutor. “Os gatos gostam de explorar e perseguir qualquer coisa que se mova. Isso é mais evidente durante o período de aprendizagem, mas muitos gatos adultos ainda gostam de brincar de caça. Apesar de ser um comportamento ‘engraçadinho’ nos filhotes, não deve ser incentivado”, orienta Melissa.
• Não ter recebido estímulo social quando filhote: O bichano pode ter uma vida solitária no futuro dependendo de quem ficou perto dele quando era bem pequeno (até a quarta semana de vida). Se apenas a mãe e os irmãos da mesma ninhada ficaram ao seu lado, ele tenderá a ser solitário, evitando se relacionar com outros animais e com os humanos. Mas, se ele tiver contato com outros gatos adultos ou com pessoas durante esse período, ele será
mais sociável. “Na falta de bichanos mais velhos, que não a mãe, os tutores podem oferecer o estímulo social necessário. 10 a 15 minutos diários de carícias ou simplesmente mantendo-o junto ao corpo nessa fase são suficientes para ter um gato bastante sociável por toda a vida”, indica Alberts.
ENCRENQUEIROS COM OUTROS GATOS
Já que o instinto felino faz com que eles marquem o seu território e briguem com outros gatos para defendê-lo, novos bichanos não são permitidos em locais com outros machos e fêmeas, pois é briga na certa. Por isso, muitos felinos que costumam dar suas escapadinhas voltam para casa machucados. “Os gatos de fora do território tendem a matar os filhotes para que a gata entre no cio novamente. Assim, para defender os gatinhos, os machos do local e as próprias fêmeas enfrentam ferozmente o intruso”, explica o biólogo especialista
em comportamento felino e professor de zoologia do departamento de ciências biológicas da Unesp (Assis), Carlos C. Alberts. “Gatos que foram castrados ainda novos não aprendem essa dinâmica de marcar território, por isso, se afastam das confusões. Já os que foram castrados mais velhos ainda podem entrar em algumas briguinhas mesmo sem produzir testosterona, pois eles já passaram por essa situação de serem estimulados pela urina de outro bichano antes de serem castrados e criaram um hábito” acrescenta. (linha fina abaixo)
QUANDO ELE NÃO VOLTA PARA CASA
Alguns gatos podem não retornar sozinhos para casa depois dessas escapadinhas e precisam ser resgatados. “Procure-o com cautela em locais que podem ser utilizados como abrigo em uma situação de intimidação após uma briga. Quando encontrá-lo, espere
ele se acalmar ou chame um profissional capacitado. Alguns bichanos podem entrar facilmente na caixa de transporte quando ela for posicionada próxima a ele, outros se sentem mais seguros durante o manuseio se estiverem envoltos em uma toalha pertencente à casa
onde vive”, indica o médico veterinário Gabriel Almeida Dias.
SE FLAGRAR UMA BRIGA…
“Controle seus instintos maternos e paternos e não separe os felinos utilizando as mãos ou as pernas, pois pode sobrar para você. Use uma cartolina, madeira, almofada, toalha ou outras superfícies entre os dois gatos brigões.
O posicionamento do objeto deve ser cauteloso para não ferir os animais. A liberação de substâncias químicas nesse momento altera a percepção dos gatos, que podem agredir quem se aproximar (agressão redirecionada)”, orienta Dias. (linha fina abaixo)
APÓS A BRIGA, OS CUIDADOS FÍSICOS
Os conflitos entre gatos são muito violentos e rendem sérios machucados aos envolvidos. “A gravidade das lesões podem causar dor e desconforto. Assim, manipule-o com cautela e sem nervosismo para evitar que ele se assuste mais ainda e te agrida. E, em hipótese alguma, ministre medicamentos para o gato, mesmo aquele que o vizinho gateiro disse que já utilizou”, ensina Dias. “Leve-o ao médico veterinário independentemente da gravidade dos ferimentos, pois as brigas também podem deixar machucados internos. Os externos mais comuns estão localizados nas patas e na face e os mais graves no pescoço e na nuca”, completa Alberts.
DEPOIS DOS CUIDADOS FÍSICOS, O PSICOLÓGICO
Os bichanos que brigaram na rua voltam muito carentes para casa e, se não receberem a devida atenção, os machucados podem demorar mais para sarar. Por isso, de acordo com Alberts, depois que o gatinho estiver medicado ele necessita de muito carinho. Fique
atento às dicas do especialista:
• Respeite ainda mais a sua individualidade: esteja presente caso ele procure contato, mas também entenda o seu afastamento, deixando um comedouro próximo para que ele se alimente.
• Não altere a rotina da casa: assim ele se sentirá aconchegado no local
em que sempre esteve.
Por Leila Bonfietti Lima
Colaboraram para a matéria:
Carlos C. Alberts
Biólogo especialista em comportamento felino e professor de Zoologia do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp
(Assis).
Carlos Gabriel Almeida Dias Médico veterinário (UFRRJ). Mestre e doutor em ciências veterinárias (UECE). Proprietário da clínica C. A. T. para Gatos (RJ) e professor de clínica médica da Universidade Castelo Branco (RJ).
www.facebook.com/cat.paragatos e clinicaparagatos.blogspot.com.br
Ceres Berger Faraco Médica veterinária, mestre e doutora em psicologia clínica de problemas comportamentais de cães e gatos.
Comentarista do Boletim Patas, Pelos e Penas da rádio CBN. wp.clicrbc.com.br/comportamentoanimal/
Joice Peruzzi Médica veterinária CRMVRS 10379 Pet Estar: Comportamento, Exercícios e Bem-Estar
Melissa Orr Médica veterinária especialista em felinos. Proprietária do Hospital do Gato Campinas, primeira clínica inteiramente
destinada à espécie da cidade.