Terapeuta comportamental: o profissional que compreende o mundo pela ótica felina

Esse profissional trabalha para resolver conflitos entre animais e humanos, sempre focado em promover bem-estar ao pet e sua família

Foto: uzhursky/iStockphoto

Que os cachorros ainda são os animais de estimação preferidos dos humanos não há como negar. Porém, para os apaixonados por gatos como nós, há uma ótima notícia: os felinos aparecem na segunda posição da lista, com a estimativa de 22 milhões de animais nos lares brasileiros. Especialistas acreditam que os gatos podem se equiparar aos cães na preferência dos donos de pets. No entanto, será preciso mudar a realidade no manejo com esses animais, tanto por parte dos tutores, como dos profissionais que se dedicam a eles.

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Isso porque os cães ainda visitam o veterinário muito mais do que os gatos. As explicações para o fato são muitas, mas a que lidera o ranking é a personalidade dos bichanos, que se estressam consideravelmente mais ao saírem de casa.
O que muitos tutores não sabem é que existe um profissional especializado em minimizar esses transtornos: o terapeuta comportamental. Conversamos com duas delas para entender melhor os desafios da carreira e a hora certa para o tutor buscar esses serviços.
Uma delas é Bruna Kievel, pioneira nessa profissão no Sul do país. A profissional explica que o terapeuta comportamental, como o próprio nome já diz, estuda o comportamento do gato, percebendo o mundo sob a ótica do próprio animal. “Esse profissional é responsável por diagnosticar possíveis causas para transtornos emocionais, além de tratar o animal e orientar a família sobre manejo e outras formas de tratamento. Em outras palavras, ele trabalha para resolver conflitos entre animais e humanos, sempre focado em promover bem-estar ao pet e sua família”, diz Bruna.
Para Luiza Cervenka, de Jundiaí, SP, também terapeuta comportamental, essa terapia se baseia em um tripé: feromonioterapia ou terapias alternativas (aromaterapia, cromoterapia, florais etc.); modificação comportamental (treinamentos, por exemplo); e manejo ambiental adequação do ambiente para aquela espécie ou indivíduo). “Terapia comportamental não é simplesmente treinar o animal e ensinar comportamentos como senta ou deita. É olhar o gato e o ambiente como um todo e propor modificações em prol do bem-estar do pet e de toda a família”, complementa. Ela orienta que o trabalho do terapeuta deve ser feito em parceria com o médico. “É preciso trabalhar conjuntamente com o veterinário para resolver grande parte dos problemas”, diz.
Bruna acrescenta que outro grande papel desse profissional é facilitar o processo comunicativo entre as pessoas e seus gatos para que possam compreender melhor a motivação do comportamento, diminuindo conflitos. “Na rotina do profissional, compreender as estruturas comportamentais e emocionais dos gatos é imprescindível”, ressalta.

Fotos: Arquivo pessoal
Fernanda Sicuro e Oscar, de 9 anos, que sofre com problemas de ansiedade de separação. Ele e seus oito irmãos foram beneficiados pela terapia

ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO

Entre os principais motivos que levam o tutor a procurar esse profissional, estão xixi fora da caixa ou em lugares inadequados, sofás, armários e outros objetos arranhados, agressividade, vocalização e lambeduras excessivas, além da dificuldade de socialização.
Foi o que aconteceu com um dos pacientes da Luiza, o gato da publicitária e influenciadora Fernanda Sicuro. Oscar, de 9 anos, sofre com problemas de ansiedade de separação. “Quando ficava sozinho em casa, fazia xixi em móveis como sofá e cama. Até dentro de panela em cima do fogão já fez. Além disso, gritava e pedia colo toda vez que entrávamos no banho ou nos preparávamos para sair de casa”, conta a tutora. Como Oscar tem mais oito irmãos, o trabalho foi completo. “Nina, Batata, Frajola, Tapioca, Feijoada, Wanda, Maionese e Márcia Regina também foram beneficiados pela terapia”, explica Fernanda.
Para minimizar a ansiedade de Oscar, uma rotina de brincadeiras foi indicada, o que ajudou e muito no processo todo. “Luiza também recomendou que colocássemos um produto específico no nosso sofá para evitar que ele urinasse lá. Também fizemos uma melhor disposição das caixas de areia e dos comedouros dos nossos gatos. Testamos outros tipos de caixas e, inclusive, adotamos uma caixa mais ampla, já que nosso gatinho com ansiedade é maior”, completa.
Atualmente, o paciente raramente urina no sofá e já não se comporta mais em desespero quando a família sai de casa. “Ainda cuidamos melhor dele e dos outros gatos que temos com todas as dicas”, diz.

COMPORTAMENTOS NATURAIS

Luiza lembra que os felinos estão nas nossas vidas como pets há pouco tempo (uns 5, 7 mil anos). “Isso faz com que não tenhamos tanta familiaridade com a espécie e gera muitos mitos, distanciando os humanos das necessidades reais de um gato. A compreensão da espécie e dos seus comportamentos naturais é fundamental para oferecer uma melhor qualidade de vida para o animal e toda sua família”, revela.
Na prática, segundo Luiza, o papel fundamental do terapeuta em comportamento felino é explicar ao tutor o que o gato está sentindo ou o motivo daquele comportamento indesejado, “além de quais modificações na rotina e no ambiente são necessárias para que o felino possa executar seus comportamentos naturais com tranquilidade”, acredita.
Luiza acredita que os tutores não devem se contentar em ter um gato dorminhoco que sobe na geladeira. “Com certeza, ele não será plenamente feliz. Não basta que ele atenda nossas expectativas, mas que ele realmente tenha seu bem-estar atendido”, diz.
A profissional acredita que o ideal é trabalhar na prevenção de futuros problemas. “O terapeuta deve ser chamado assim que o animal chega em casa. Ou até antes, para ajudar na escolha do novo pet, principalmente se já tiver outro animal na família. O mais comum é sermos procurados somente quando há um problema ou uma queixa comportamental. Podemos ajudar e trabalhar a situação, mas, quanto mais no início os tutores buscarem um profissional do comportamento, menos sofrimento e angústia a família passará”, aconselha.
Bruna concorda e ainda acrescenta: “Nosso trabalho é analisar e aplicar os conhecimentos científicos para resolver os problemas comportamentais, isso com foco em melhorar a qualidade de vida do gato e impactar positivamente pessoas e pets. O terapeuta pode inclusive, se achar necessário, indicar um psiquiatra especializado em animais para o uso de medicamentos ou terapias complementares”, conta.

Fotos: Arquivo pessoal
Beatrice Witt precisou de ajuda quando, em 2022, seus felinos começaram a se estranhar e a brigar, especialmente o Nego,
que brigava com duas das gatinhas mais novas

REORGANIZAÇÃO DO AMBIENTE

Com 13 gatos em casa, a editora Beatrice Witt precisou de ajuda quando, em 2022, eles começaram a se estranhar e a brigar. “Especialmente o Nego, que brigava com duas das gatinhas mais novas, mas todos ficavam nervosos. Aí chamei a Bruna para me ajudar a acalmá-los e fazer com que voltassem a conviver tranquilamente”, conta.
Beatrice já tinha prateleiras específicas para gatos espalhadas pelo apartamento, mas Bruna indicou que fossem colocadas mais, além de serem adicionadas duas opções de saída. “Assim, se um deles subisse por um lado, poderia descer pelo outro lado, o que evitaria encontros indesejados. Um dos kits, inclusive, faz a volta na sala inteira e tem três pontos de subida e descida”, diz. A terapeuta sugeriu também nichos, rampas, escadinhas e até um poste feito com sisal para afiarem as unhas e escalarem. “Também colocamos comedores nas prateleiras para que o gatinho que não quisesse descer pudesse comer e beber água. As dicas de comportamento foram outro ponto importante. Ela me ensinou como agir quando os gatos começassem a se encarar de forma hostil, para evitar que eles criassem implicância uns com os outros ou ficassem mais irritados, entre outras iniciativas”, explica Beatrice.
As brigas diminuíram significativamente. “Eram umas três por dia, agora é, no máximo, uma por semana. E eles adoraram as prateleiras novas, os afiadores e o fato de ter comida e água em todos os cômodos. Fizemos uma reorganização das caixas de areia, o que também foi muito positivo”, alegra-se.

A CARREIRA EXIGE ESTUDO

Para quem pensa que a profissão tem apenas desafios positivos, Bruna diz que é preciso estudar muito e se dedicar para obter resultados efetivos. “No final das contas, o que o tutor quer é resolver o problema o mais rápido possível”, acrescenta.
A rotina de estudos de um terapeuta comportamental é grande. No caso de Bruna, que se formou pela principal instituição de felinos do mundo, a Sociedade Internacional de Medicina Felina (ISFM), ela ainda se dedica a meio turno como enfermeira veterinária no hospital exclusivo para felinos do Rio Grande do Sul, a Chatterie – Centro de Saúde do Gato. Além disso, lidera a equipe da Rom Home Cat, empresa que fundou em 2019 para atender os bichanos no conforto de suas casas. A área de comportamento veio em 2020 com uma das principais formações da área, o Advanced Feline Behaviour. “Embora já tivesse feito outros cursos dedicados ao bem-estar felino, sabia que esse em especial me levaria a outro nível de conhecimento”, conta. Atualmente, ela se dedica à conclusão de outra formação, o Feline Nurse, ambos certificados pela American Association of Feline Practitioners. Foi essa instituição, inclusive, que lhe concedeu o título Cat Friendly Veterinary Professional – programa que qualifica profissionais para atenderem os gatos de forma gentil e amigável.
Já Luiza é bióloga e começou a trabalhar com comportamento desde o segundo semestre da faculdade. “Em seguida, fiz mestrado em psicobiologia (comportamento animal). Assim que terminei o mestrado, comecei a fazer cursos e frequentar congressos específicos sobre comportamento de cães e gatos. Como é uma área em intenso crescimento de informações e conteúdo científico, é extremamente necessário se manter atualizado”, explica.
A terapeuta, que hoje atua em São Paulo, Jundiaí, Campinas e região e faz atendimentos online com pets de todo Brasil e até pelo mundo, optou pelo doutorado com comportamento animal. “Mas não para por aí. Só neste ano tenho mais dois cursos e dois congressos programados somente sobre comportamento de cães e gatos. Tudo isso para oferecer o que há de mais atualizado para os nossos pets e suas famílias”, diz.

O TERAPEUTA APAIXONADO

Apesar de muito estudo e técnica, a carreira se potencializa mesmo é na prática, no dia a dia de cada gatinho e de cada família, nos desafios que surgem ao longo da jornada de cada profissional. A história se modifica a cada nova casa, mas a paixão em decifrar e resolver o problema é sempre a mesma: intensa e verdadeira.
“Ser terapeuta comportamental de gatos é realmente compreender a vida pelas perspectivas dos felinos, interpretando não somente os comportamentos deles, como os seus sentimentos diante do mundo”, conclui Bruna.

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Nossos gradecemos:

– Bruna Kievel Especialista em comportamento e bem-estar felino, certificada em Advanced Feline Behaviour pela ISFM (sociedade internacional de medicina Felina), certificada pelo programa Cat Friendly Practice pela AAFP (American Association of Feline Practitioners) e fundadora da Rom Home Cat, com atendimento individualizado. Atua também como enfermeira veterinária na Clínica Chaterrie Centro de Saúde do Gato, em Porto Alegre. Instagram: @romhomecat

– Luiza Cervenka Bióloga, com mestrado em psicobiologia, pós-graduada em jornalismo e doutorado pela FMVZ-USP. Atua como terapeuta comportamental de cães e gatos desde 2010. Assina o blog Comportamento Animal do Estadão, tem quadro pet no programa Revista da Cidade na TV Gazeta e é colunista da Petlove. Instagram: @luizacervenka


Por Juliana Farias


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