Felinos também desempenham a função, tanto em projetos de terapia assistida como ao lado de seus tutores

Muito se fala em cinoterapia e terapia assistida com cães, pois felinos e outros pets não costumam participar de projetos que visam trazer conforto e bem-estar às pessoas através do contato com animais. Porém, esta realidade está mudando no Brasil. E a Patas Therapeutas (@patastherapeutas), comandada pela psicanalista Silvana Fedeli Prado, de São Paulo, é exemplo disso. Fundada há 11 anos por Silvana, a ONG tem, além de cães, gatos, furões, galinhas e coelhos terapeutas. “Já existem dentro e fora do Brasil trabalhos de terapia com gatos, que são animais com características típicas, mas, para ser terapeuta, precisam ser atípicos, ou seja, sociais com outras pessoas, além do seu tutor, não arranhar e não miar muito”, explica Silvana, que conta com quatro gatinhos terapeutas: Órion, Odin, Ágata e Cassandra. A comissária de bordo Eunice Vieira, de São Paulo, é tutora do terapeuta Órion. “Ele foi adotado adulto, resgatado por um abrigo e estava muito debilitado. Como ele foi vítima de maus-tratos, eu achava que ele seria um gatinho mais receoso com pessoas, daqueles que se escondem quando a visita chega na sua casa, por exemplo. Porém, estava muito enganada. Ele é muito confiante, recebe as visitas na porta, é extremamente amoroso e delicado com as pessoas”, conta Eunice, que decidiu fazer de Órion um terapeuta por perceber esse comportamento diferente do felino. “Ele sai de casa, anda de carro, frequenta locais públicos sempre como mesmo comportamento calmo e confiante que demonstra estando dentro de casa”, garante a tutora, que visita hospitais, lar de idosos, abrigo de crianças e o COPOM (Polícia Militar) com o pet. “Ele vai nas visitas de duas a três vezes por mês, e a visita tem a duração de uma hora. É muito gratificante ter um gatinho terapeuta, pois eles são em número bem pequeno comparados aos cães terapeutas. É mágico ver ele demonstrar carinho, respeito e levar amor a adultos, idosos e crianças, considerando que no início de sua vida os humanos foram negligentes e cruéis com ele”, compartilha Eunice.

Silvana Fedeli Prado, fundadora da ONG Patas Therapeutas, com Órion no colo.
Ao lado, Órion em ação.
Para se tornar um pet terapeuta felino, Silvana explica que é preciso que ele tenha acima de 1 ano e seja castrado. “Temos uma comportamentalista felina, Valéria Zukauskas, que nos dá apoio. Fazemos um curso com os gatos, de intervenções, no qual trabalhamos a dessensibilização e a socialização deles em diversas situações e nos cinco sentidos (audição, visão, tato, olfato e paladar). Sempre visando o bem-estar do animal”, explica Silvana, que leva seus animais uma vez ao dia, em visitas de 45 minutos no máximo. Ao todo, a ONG atende 15 instituições ao longo do mês. “É incrível como tem pessoas que gostam de gatos nos locais em que atuamos, desde crianças até idosos”, ressalta.
PERFIL DOS FELINOS TERAPEUTAS


APOIO TOTAL AO TUTOR
A jornalista Márcia Oliveira, de Jaú-SP, é a prova viva de que gatos são terapeutas natos. Ela tem gatos em casa desde que se conhece por gente e cria Maine Coon desde 2012 pelo gatil Felina Folia, junto com seu marido. “Sempre fui apaixonada por animais em geral. Mas a minha afinidade sempre foi maior com os gatos. Sempre digo que o gato está no meu DNA”, aponta Márcia, que enfrenta um câncer desde janeiro de 2023 e atesta que seus gatos tiveram papel fundamental em todo o processo, inclusive impedindo que ela desistisse de tudo. “Quando descobri o meu câncer, fiquei um pouco assustada porque é algo que agente não sabe o que vai acontecer. Mas minha maior preocupação era com meus gatos, pois muitos me diziam que eu não poderia ficar perto deles, que me fariam mal, já que minha imunidade cairia com a quimioterapia. Assim, quando fui à minha primeira consulta com o oncologista, a primeira pergunta que fiz foi se eu precisava ficar afastada dos meus gatos. E ele me respondeu: ‘de maneira alguma!’, o que foi um grande alívio”, relembra Márcia. “Gatos são reikianos natos, eles trocam muita energia com a gente, não somente durante o câncer, mas em vários momentos da vida em que precisei sempre recebi muito carinho e energia positiva deles”, acrescenta a criadora. Márcia destaca algumas passagens de seus primeiros meses de quimioterapia que a marcaram muito. “Foram 16 sessões de químio, as quatro primeiras demoraram 2 meses e depois foram 12 semanas fazendo químios brancas. Tive muitos altos e baixos, emocionais, psicológicos e físicos, e em todos os momentos tive a companhia dos meus gatos. Eles vinham se deitar comigo. Tinha crises de ansiedade e meu peito doía muito e tinha uma gata que sempre vinha, a Matrix, e se deitava no meu peito e amassava pãozinho. E sempre do meu lado direito, meu Persa Himalaio, o Dylan. O Jay Jay se deitava na minha cabeça e amassava pãozinho na minha careca. E a minha imunidade sempre se mantinha alta e forte. Não peguei nenhuma gripe e não ficava presa dentro de casa, ia para casas de amigos, viajava para entregar meus gatinhos. Minha vida é estar com eles e eles me ajudaram muito nessa fase”, compartilha Márcia, que lembra, com muita emoção, uma passagem especial dessa sua luta contra o câncer: “quando fiz as sessões de químioterapia vermelha, que deixa nosso corpo bem fraco e com dores intensas, eu não queria ficar perto dos gatos para que eles não absorvessem essa energia ruim. Eu ficava num colchão, na varanda onde eu podia observar a natureza. Nossa casa tem portas de vidro, e um dia estava ali deitada, num momento de fraqueza, e comecei a chorar, com vontade de sumir e de parar o tratamento. Aquele dia eu fiquei muito mal e pensava em desistir de tudo. Enquanto chorava, levantei a minha cabeça do colchão e olhei para a porta de vidro. Todos os gatos, inclusive os filhotes, estavam enfileirados, olhando para mim. Parecia que eles tinham sido colocados ali e me olhavam com um olhar de tanto amor, que me dei conta de que não poderia desistir, pois meus gatos me amam e precisam de mim. Isso me deu muita força para seguir meu tratamento”. Márcia deixa um recado especial para quem tem gatinhos e pensa em abandoná-los por conta de uma doença ou uma mudança de estilo de vida: “nos piores momentos da nossa vida, às vezes não encontramos um abraço de um amigo, mas temos o ronronar de um felino que, quando temos essa conexão com eles, nos curam, nos ajudam, nos dão força. Fique com seus gatos. Eles nos amam muito, são um pedacinho nosso. Esse amor felino nos ajuda muito. Amem e cuidem deles e deixe que seus gatos te amem e cuidem de vocês”, finaliza.

Márcia Oliveira e o Maine Coon The Kaos: gateira teve apoio de seus gatos para
passar pelo tratamento do câncer
GATOS DE SUPORTE EMOCIONAL
Embora fora do Brasil seja mais comum e possível ter um pet oficialmente cadastrado como de suporte emocional, não há dúvidas de que gatos exercem sim essa função. “É ainda muito polêmico ter um animal de suporte emocional, pois não existe uma lei federal para entrada dos animais em todos os locais, como é o caso do cão-guia. Mas, sim, o gato pode ser um apoio emocional, pois é um animal muito afetivo e apegado ao seu tutor. E hoje existem muitos acessórios para transporte de gatos: mochilas, carrinhos etc., para fazer passeios com esse pet”, aponta Silvana.

Patrícia Roman e Duque: gatinho ajuda a tutora
a superar sua depressão
A dupla Patrícia Roman e Duque é conhecida nas redes sociais pelo Instagram @duque.cat, que há 8 anos arranca suspiros de gateiros com as fofuras deste Persa carismático e suas aventuras. Porém, o que muitos não sabem é que Duque tem um papel muito importante na vida da sua tutora: ele exerce a função de pet emocional. “Esta é a primeira vez que compartilho esse aspecto da minha vida com uma mídia, pois as entrevistas que faço são geralmente sobre o fato de o Duque ser um cat influencer. E fico muito feliz que seja com a Pulo do Gato, que tive a oportunidade de compartilhar o fato de o Duque ter salvado a minha vida”, revela Patrícia, que ganhou Duque de seu ex-marido quando ele tinha 45 dias de vida. Na época, moravam em Florianópolis. “Sou muito grata ao meu ex pelo melhor presente que recebi na minha vida”, ressalta a gateira, cujo primeiro apoio que recebeu do felino foi em sua separação. “Depois de 1 ano de casamento, nos separamos, e a partir daí, eu e o Duque nos aproximamos ainda mais e comecei a perceber o quanto ele era especial”, aponta. No entanto, o ponto chave que marcou a vida de Patrícia foi o apoio de Duque na morte de seu pai, há 3 anos. “Meu pai e eu éramos muito ligados, eu era a caçula, favorita dele, e tínhamos uma conexão muito forte. Foi o Duque quem me avisou que eu tinha perdido o meu pai para o câncer. No dia anterior à morte dele, Duque teve um comportamento muito diferente, que ele nunca havia tido: eu estava sentada no sofá triste e o Duque, repentinamente, se levantou, olhou firmemente nos meus olhos, levantou meu braço, colocou a cabecinha dele e se esfregou, esfregou… Ele nunca tinha tido essa reação. Ele ficou tentando me confortar durante uns 20 minutos porque ele sentiu a morte do meu pai, que me foi anunciada em uma ligação 45 minutos após o Duque ter tido este comportamento”, compartilha Patrícia, que enquanto estava lidando com o luto do pai, ficou desempregada e veio a pandemia na semana seguinte. “Me vi em uma depressão profunda e foi aí que o Duque entrou novamente em ação. Hoje eu entendo o que é um pet emocional. Percebo o quanto Duque lutou comigo para que eu ficasse bem. Ele me via com a janela fechada sem vontade de me levantar para comer. Quando me levantava, estava de plantão para me dar carinho. Ele começou a criar o hábito de se deitar em minha cabeça e se aninhar em meu pescoço. Com o decorrer dos dias, percebi que precisava ter forças para cuidar dele. Ele veio para me reerguer da depressão, me fazendo levantar para dar comida, brincar com ele, fazer a higiene dele. Foi aí que comecei a procurar ajuda. Minha psicóloga e meu psiquiatra sabem a importância do Duque para eu não desistir da minha vida. Por ele eu consegui sobreviver”, compartilha Patrícia, que também é tutora da Mel e da Pantera, com temperamentos completamente diferentes do Duque. “Elas demonstram um amor muito grande, mas no tempo delas. O Duque cuida de mim, me sinto segura com ele”, diz. Patrícia conseguiu um certificado oficial para o Duque, conquistado através de laudos de seus médicos que comprovam que o Duque é um pet emocional. Ela sempre carrega este documento consigo para que a entrada do gatinho em locais públicos seja liberada. “Duque foi o primeiro gato do Brasil a conseguir este certificado. Agora estou no processo de confeccionar uma coleira e roupa vermelhas, cor padrão que se usa para identificar um pet emocional”, aponta Patrícia, que finaliza com um recado especial: “independentemente do seu pet ser registrado nos órgãos competentes como pet emocional ou não, o tutor já sabe que ele é um pet emocional. Eles entram na nossa vida por um motivo. Não deixem de entender cada carinho, olhar e algo diferente que seu pet faça. Amem seus bichinhos e saibam o quanto eles podem mudar a vida de uma pessoa.”