Com eles, você vai virar um expert na arte da socialização de gatos

Os gatos são animais fascinantes e enigmáticos que conquistaram um lugar especial em nossos lares e em nossos corações. Apesar de domesticados, os felinos são ágeis, fortes e dotados de grandes reflexos e sentidos apurados, além de um poderoso e invejável instinto de caça.
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No entanto, embora seja uma espécie mais solitária e independente, a verdade é que os gatos também podem ser animais muito sociáveis. Os felinos que convivem com a mãe e os irmãos nas primeiras fases da vida se acostumam desde cedo com a presença de mais companheiros, o que torna mais simples a convivência com outros animais e humanos.
Já os pets separados da família muito cedo podem apresentar dificuldades na socialização. O segredo aqui é amor, paciência e, claro, utilizar as técnicas certas. Para entender melhor sobre como esse processo funciona, conversamos com as veterinárias Debora Paulino e Estela Pazos, ambas especialistas em felinos. Além de dicas preciosas para melhorar a convivência com esse pet, as profissionais revelaram 11 segredos sobre a socialização felina que provavelmente ninguém te contou ainda.
Confira também, ao final desta reportagem, algumas regras de ouro para tornar seu gatinho mais adepto à visitas e outros convívios.
1 GATOS QUE CONVIVEM COM A MÃE E OS IRMÃOS NOS PRIMEIROS MESES DE VIDA SÃO MAIS SOCIÁVEIS
O convívio com a mãe é fundamental, pois o gato aprende sobre o mundo a partir da coabitação familiar. Para Debora Paulino, que também é proprietária e mente criativa na Mais Gato, o animal aprende sobre limites durante os primeiros dias de vida. “As linguagens de comunicação são compartilhadas durante esse período. O gato aprende a observar o outro e entender a mensagem que ele transmite, além de desenvolver sua comunicação vocal por meio dos miados e outros sons que os companheiros produzem”, explica.
Estela Pazos, médica-veterinária pós-graduada em Medicina Felina, acrescenta que gatos que são desmamados muito cedo e não convivem com os irmãos tendem a ter dificuldades para socializar. “Isso também vale para o contato com o ser humano desde o início. Os filhotes que não foram manipulados e não vivenciaram experiências positivas com humanos tendem a ser menos sociáveis”, acrescenta.
Então, qual será a hora certa de separar o gatinho da sua família felina? Debora aconselha que o filhote permaneça sob cuidados maternos e no convívio com os irmãos até os 60 dias de vida, ou seja, durante seus dois primeiros meses de vida.
2 A GENÉTICA TAMBÉM INFLUENCIA NA SOCIALIZAÇÃO DOS ANIMAIS
Pode parecer estranho, mas é a mais pura verdade: “Se os pais desse gato forem ferais, tiveram pouca ou nenhuma convivência com humanos, há grande probabilidade de a ninhada também ser”, aponta Estela. No entanto, a veterinária revela que essa não é uma regra. “O felino pode ser um pouco mais flexível se tiver uma experiência positiva com humanos, especialmente até os 6 meses de idade”, diz.
3 A EXPERIÊNCIA GESTACIONAL DA MÃE TAMBÉM PODE ESTAR RELACIONADA À CAPACIDADE DE SOCIALIZAÇÃO
As experiências prévias da gatinha podem influenciar sim na capacidade de socialização de sua ninhada. Na prática, o que a mãe passou em seu período gestacional contribui para a personalidade desse felino. “A somatória destes fatores vai interferir positivamente ou negativamente no nível de socialização do pet”, conta.
4 COMPREENDER COMO O GATO SE COMUNICA É FUNDAMENTAL NA SOCIALIZAÇÃO
É determinante para a socialização de felinos o contato positivo e frequente com o ser humano, até para ter a sua comunicação compreendida. “Por se tratar de uma espécie diferente da nossa, as formas de comunicação, assim como as de compreensão ambiental, também são diferentes. Quando entendemos o mundo através da perspectiva felina, nossa relação com a espécie melhora”, esclarece Debora. Estela também alerta que lembrar da origem dos gatos e que eles ainda carregam boa parte dessas características ancestrais até hoje é essencial. “Gatos são animais caçadores, mas que também podem virar presa facilmente e estão sempre sob estresse e desconfiança com tudo ao seu redor. Dessa forma, na socialização não deve ocorrer estresse, traumas, experiências ruins com humanos e outros animais”, aponta.
5 RESPEITAR OS LIMITES DO GATO É PREMISSA PARA UM ANIMAL MAIS SOCIAL
Não adianta forçar a barra. No desespero para que seus gatos convivam com amigos da família, por exemplo, alguns tutores acabam passando do ponto. “Quando as visitas chegarem, evite buscar o gato em seu local tranquilo para mostrá-lo, dê tempo para que ele se acostume com as presenças estranhas, deixe que ele mesmo se aproxime”, aconselha Estela.
Sobre a possibilidade de socializar um animal que não goste de visitas, Estela conta que é possível, mas pensar sobre o ponto de vista do felino é o primeiro passo. “O gatinho que vê tudo como uma ameaça pode ficar menos sociável a cada trauma”, complementa. Uma boa dica é fazer associações positivas com algo que o gato goste. “Um petisco, um brinquedo ou mesmo a escovação no momento da socialização são recursos que ajudam”, conta. Porém, a visita também deve fazer a sua parte. “Quem chega deve falar baixo e jamais forçar o gato a ir no colo ou sair de um local onde ele esteja confortável. O segredo é ganhar a confiança do felino. É determinante um ambiente tranquilo, estável e com a manipulação adequada por humanos”, indica Estela.
Debora também acredita que respeitar os limites do gato é essencial. “Levar em consideração que alguns gatos têm medo de barulho ajuda na hora da socialização. Sabendo disso, por exemplo, você pode pedir à visita que não toque a companhia.
”A boa notícia é que é possível sim construir novas relações mesmo quando lidamos com um gato dotado de um perfil mais medroso ou tímido. O sucesso do processo todo vai depender muito da nossa iniciativa (tutores e profissionais) de respeitar o tempo que ele precisa para que esta aproximação seja favorável e sempre positiva. Respeito, constância e conveniência são palavras-chave para uma socialização bem-feita, segundo explica Debora.
6 ALGUNS GATOS NÃO GOSTAM DE CONTATO FÍSICO. NÃO TEM JEITO!
É um grande mito achar que todo gato vai gostar de contato físico. Alguns não gostam mesmo. Insistir que o animal mude sua personalidade para agradar a outras pessoas é um erro. “Pets podem não gostar de contato físico, mas todos apreciam uma boa companhia e dividem o mesmo ambiente. Por exemplo, o fato de não permitir que faça carinho com a mão não significa que não goste de ficar ao seu lado no sofá. É importante que os tutores entendam isso”, explica Debora.
7 GATOS GOSTAM DE PREVISIBILIDADE PARA SOCIALIZAR MELHOR
Para muitos gatos, não ter uma rotina pode ser um verdadeiro caos. Pequenos erros podem ir tornando o felino menos sociável. É o caso, por exemplo, de forçar passeios na rua. “Querer sair como gato de coleira e guia como se fosse um cachorro é um erro. Sim, é possível passear com eles, mas não será tão simples para a grande maioria deles. Isso exige adaptação, até mesmo pensando na segurança do felino”, diz Estela.
Outro equívoco comum é quando o tutor tenta socializar dois gatos sem seguir regras básicas de adaptação. Há passos para a socialização que foram estudados e testados, ou seja, que têm eficácia. As duas especialistas concordam que, sem respeitar o tempo do processo é muito difícil chegar ao objetivo
8 ANIMAIS APRENDEM MAIS ATÉ A SÉTIMA SEMANA DE VIDA
O gato sempre pode aprender, pois a inteligência, chamada de cognição, e a plasticidade neural, fazem com que tenham a capacidade de aprender coisas novas e defini-las como um padrão. “Filhotes da segunda até a sétima semana de vida estão no período chamado sensível, o que significa que eles ainda são “livros abertos com páginas em branco”, expõe Debora. Nessa época, o gato aprende, fixa e executa posteriormente com maior facilidade”, acrescenta.
9 OS PILARES INTERNACIONAIS DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL EXISTEM E FAZEM DIFERENÇA
Estela acrescenta que os pilares internacionais do enriquecimento ambiental ajudam, especialmente em casos de gatinhos órfãos. “Estimular o instinto de caça por meio de brincadeiras lúdicas, de brinquedos com catnip e varinhas são algumas das opções”, ensina.
Entre os pilares mais eficientes, está o de criar um ambiente que estruturalmente atenda a necessidade de brincar, descansar, arranhar, comer, beber e ir às caixas de areia. Diante disso, o papel do ser humano nesse processo de socialização dos felinos é fundamental. “O nosso conhecimento e comportamento diante da espécie vai determinar a promoção ou não de bem-estar. E o bem-estar está diretamente ligado à qualidade de vida dos gatinhos. Então, quando eu entendo, respeito e compreendo a comunicação dos gatos, estou lhes dando a oportunidade de exibir seus comportamentos naturais”, esclarece Debora.
10 GATOS ADOTADOS ADULTOS OU IDOSOS PODEM PERDER O MEDO, SIM!
Quem adota gatos mais velhos e ariscos costuma pensar que nunca conseguirá socializar esses pets. No entanto, as especialistas apontam que é possível torná-los mais seguros com amor e respeito. “Gatos mais velhos e ariscos exigem tempo e paciência para compreender que aquele novo local e aquelas pessoas não irão lhe causar mal. Enquanto ele não estiver totalmente seguro com o ambiente, ficará arisco”, revela Estela.
A confiança deve chegar aos poucos. Pense que esse animal nunca recebeu um carinho na vida, ou seja, não entende que a mão humana é também sinônimo de afeto. “Pode levar muito tempo até que esse gato se aproxime ou aceite a aproximação humana, mas paciência é a palavra-chave”. A dica de Estela para esses casos, se o gato é muito arisco e o tutor não tem experiência com felinos, é contratar uma consultoria comportamental, que o ajudará a direcionar as estratégias de socialização de acordo com o perfil do gato.
DICAS EXTRAS
Confira agora alguns conselhos para que seu gatinho mais arisco aceite melhor a presença de suas visitas em casa:
1. Deixe o gato se aproximar dos visitantes apenas quando se sentir confortável para esse passo. Talvez isso não aconteça de imediato, tenha paciência;
2. Jamais force o animal a sair de um local onde está escondido. Espere que ele faça isso quando se sentir seguro;
3. Dê para a visita algum petisco de que seu gato goste muito. Deixe que o felino perceba que há recompensa na mão do humano recém-chegado;
4. Ensine as crianças a brincarem com calma e cuidado, evitando assim que o animal passe por estresse;
5. Uma dica de ouro é: organize um local para que o gato fique à vontade, com as coisas com as quais ele gosta de brincar, água, comida e areia disponíveis. Esse deve ser um espaço onde a visita não entre, mas seja vista pelo felino.
Garantir bem-estar e saúde a seu melhor amigo é o principal. O resto, com amor e paciência, ajusta-se aos poucos. A socialização exige dedicação plena e olhar atento ao felino. E para quem ama gatos como nós, esse esforço sempre vale a pena.
11 UM ANIMAL MAL SOCIALIZADO AINDA PODE APRENDER
Com uma equipe de trabalho multidisciplinar, ou seja, o veterinário, o comportamentalista e o tutor engajado, tudo é possível. “É viável construir o projeto de reabilitação emocional e ambiental de um gato mal adaptado. E é importante dizer que cada especialista tem a sua função nesse desafio. O veterinário entra com a parte medicamentosa, caso seja necessário, e o comportamentalista traz as orientações e os programas de reajuste emocional junto ao tutor”, diz Debora.
Quando fala em programas de reajuste emocional, Debora se refere às modificações ambientais e estruturais necessárias, além de uma estratégia de abordagem para o tutor e para as visitas. A missão do dono, aliás, é ser uma figura ativa nessa caminhada, realizando as “lições de casa” em favor do seu gatinho”, acrescenta.
O segredo para não se frustrar com essa experiência é entender que, embora sempre seja possível melhorar a relação com gatos ariscos, medrosos, tímidos ou mal socializados, nem sempre o resultado que desejamos é o que teremos. “Por essa razão, perceber o quanto o gato pode evoluir dentro deste planejamento é fundamental, pois permite o alinhamento entre a expectativa humana e a realidade felina”, conclui.
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Agradecemos a colaboração de Debora Paulino, Veterinária pós-graduada em Clínica Médica de Felinos, comportamentalista pela ISFM em Advanced Certificate Feline Behaviour, professora de pós-graduação em medicina felina na Famesp, professora mentora na Faculdade Anclivepa, certificada Fear Free Shelter e Cat Friendly Practice, membro da Abfel, secretária afrocentrada no Coletivo Afrovet e proprietária e Mente Criativa na Mais Gato e Estela Pazos, Veterinária pós-graduada em Medicina Felina. Atende exclusivamente gatos em São Paulo. Realiza atendimento nas áreas de clínica médica de felinos, medicina integrativa com foco em nutracêuticos, ozonioterapia e terapia neural.
Por Juliana Farias